Segundo
a ONU, se as infrações cometidas por adoles
centes e jovens forem
tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como
um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a
cidadania e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá
ser agravado, com graves consequências no presente e futuro”.
O Sistema ONU no Brasil divulgou nesta segunda-feira (11) uma nota em
que demonstra “preocupação” com a tramitação, no Congresso Nacional, de
uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate
nacional sobre o tema.
Segundo a ONU, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens
forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e
não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a
cidadania e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá ser
agravado, com graves consequências no presente e futuro”.
As Nações Unidas destacam, entre outras informações, que as
estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a
negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País.
“Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número
absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria”, afirma a
nota, lembrando quem, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no
Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. “Os adolescentes são
muito mais vítimas do que autores de violência”, diz a ONU no Brasil.
NOTA DO SISTEMA ONU NO BRASIL SOBRE A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
O Sistema ONU no Brasil acompanha com preocupação a tramitação, no
Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC
171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de
idade e o debate nacional sobre o tema.
O Sistema ONU condena qualquer forma de violência, incluindo aquela
praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande
inquietação que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente
apontados como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência
no País, em um ciclo de sucessivas violações de direitos.
Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem
no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida . Os adolescentes
são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram
que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre,
está sendo assassinada de forma sistemática no País. Essa situação
coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto
de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria .
Os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por
causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de
morte representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33
mil adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil. Na
grande maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em
condições de pobreza na periferia das grandes cidades.
O Sistema ONU alerta que, se as infrações cometidas por adolescentes e
jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança
pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos
fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil
poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.
O sistema penitenciário brasileiro já enfrenta enormes desafios para
reinserir adultos na sociedade. Encarcerar adolescentes jovens de 16 e
17 anos em presídios superlotados será expô-los à influência direta de
facções do crime organizado. Uma solução efetiva para os atos de
violência cometidos por adolescentes e jovens passa necessariamente pela
análise das causas e pela adoção de uma abordagem integral em relação
ao problema da violência.
Investir na população de adolescentes e jovens é a chave para o
desenvolvimento. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão
ser alcançados nos próximos anos sem os investimentos certos nesta que é
a maior população jovem da história: no mundo, são mais de 1,8 bilhão
de adolescentes e jovens (10 a 24 anos), e no Brasil esse número
ultrapassa 51 milhões . Essa quantidade sem precedentes de adolescentes e
jovens no Brasil e no mundo – propiciada pelo chamado “bônus
demográfico” – constitui uma oportunidade única para que a consecução do
desenvolvimento em todas as suas dimensões seja sustentável. Para isso,
Estados e sociedades devem reconhecer o potencial desses adolescentes e
jovens e assegurar os meios para que as contribuições presentes e
futuras desses segmentos tenham impactos positivos para suas
trajetórias, suas famílias, comunidades e países.
Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na
adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações
anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas
vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de
acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação,
trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer,
cultura, cidadania e acesso à justiça que, potencialmente, deveriam
estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo
de vida.
Várias evidências apontam que o encarceramento de pessoas, em geral,
agrava sua situação de saúde e o seu isolamento, representando uma
grande barreira ao desenvolvimento de suas habilidades para a vida. A
redução da maioridade penal e o consequente encarceramento de
adolescentes de 16 e 17 anos poderia acentuar ainda mais as
vulnerabilidades dessa faixa da população à violência e ao crime .
No Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados
por atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de
responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a
medida de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
Se tal sistema não tem conseguido dar respostas efetivas, é preciso
aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil,
harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição
Federal de 1988.
Além de estar na contramão das medidas mais efetivas de enfrentamento
da violência, a redução da maioridade penal agrava contextos de
vulnerabilidade, reforça o racismo e a discriminação racial e social, e
fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais
historicamente assumidos pelo Estado brasileiro.
Um dos compromissos fundamentais que o Brasil assume ao ratificar um
tratado internacional é o de adequar sua legislação interna aos
preceitos desse tratado, tal como assinala a Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados . Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança
(CDC), ratificada pelo Estado brasileiro no dia 24 de setembro de 1990,
reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos e titulares de
direitos, estabelecendo em seu artigo primeiro que criança é “todo ser
humano com menos de dezoito anos de idade”.
Em relação às responsabilidades
das pessoas menores de 18 anos, a CDC estabelece claramente, em seus
artigos 1, 37 e 40, que: (i) nenhuma pessoa menor de 18 anos de idade
pode ser julgada como um adulto; (ii) deve se estabelecer uma idade
mínima na qual o Estado renuncia a qualquer tipo de responsabilização
penal; (iii) seja implementado no País um sistema de responsabilização
específico para os menores de idade em relação à idade penal, garantindo
a presunção de inocência e o devido processo legal, e estabelecendo
penas diferenciadas, onde a privação da liberdade seja utilizada tão só
como medida de último recurso.
O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a importância do
debate sobre o tema da violência e espera que o Brasil continue sendo
uma forte liderança regional e global ao buscar respostas que assegurem
os direitos humanos e ampliem o sistema de proteção social e de
segurança cidadã a todos e todas.
O Sistema ONU no Brasil reitera seu compromisso de apoiar o trabalho
do País em favor da garantia dos direitos de crianças, adolescentes e
jovens e convoca todos os atores sociais a continuar dialogando e
construindo, conjuntamente, as melhores alternativas para aprimorar o
atual sistema de responsabilização de adolescentes e jovens a quem se
atribui a prática de delitos.
Brasília, 11 de maio de 2015https://br.noticias.yahoo.com/blogs/claudio-tognolli/nacoes-unidas-no-brasil-se-posicionam-contra-a-192950671.html