*Por João Chebante
O futuro dos negócios internacionais já não depende de previsões: ele está acontecendo agora, impulsionado por stablecoins que movimentam mais de US$ 4,8 trilhões globalmente, segundo análises agregadas de mercado amplamente citadas por instituições como Chainalysis, The Block Research e Messari. O volume é tão significativo que, na prática, transforma stablecoins em uma infraestrutura paralela (e cada vez menos paralela) para transações internacionais. No Brasil, a adoção é ainda mais intensa. Levantamentos da ABCripto, dados analisados pela FGV e informações compartilhadas pela própria Receita Federal mostram que entre 85% e 90% das transações brasileiras com criptoativos são feitas usando stablecoins. Isso reflete uma busca racional por eficiência: liquidações rápidas, custo reduzido e menos incerteza cambial, especialmente em cadeias de importação que dependem de software, tecnologia, máquinas e serviços digitais. Mas, apesar da velocidade da adoção, há uma assimetria preocupante: o mercado avança mais rápido do que a capacidade regulatória, técnica e processual de grande parte das empresas. A tecnologia se popularizou antes dos frameworks de governança. E esse descompasso cria tanto oportunidades quanto riscos. De um lado, eventos internacionais como o SmartCon 2025 vêm reforçando princípios que o mercado financeiro tradicional historicamente negligenciou: liquidações transparentes, verificação auditável de compliance, conectividade entre sistemas on-chain e instituições do mundo real. Esses elementos não são acessórios; são os novos fundamentos da infraestrutura financeira global. De outro lado, o Brasil vive um momento de amadurecimento regulatório.O Banco Central, por meio do projeto Piloto do Drex e de diversas comunicações oficiais, já discute o papel de ativos tokenizados na modernização do sistema financeiro.A CVM tem acelerado diretrizes sobre tokenização e ambientes regulatórios experimentais, incluindo o sandbox. A Febraban debate padronização de compliance e interoperabilidade para ativos digitais. Esse conjunto de movimentos indica que o país não está alheio à mudança mas também não está completamente preparado para ela. Ainda é necessário desenvolver padrões de auditoria, metodologias de verificação, integração entre sistemas legados e blockchains públicas ou permissionadas, além de políticas internas mais robustas.
A crítica central é: stablecoins não podem ser tratadas como um atalho para “pular” burocracias. Elas funcionam bem quando existem processos maduros, controles consistentes e camadas sólidas de tecnologia e compliance. Caso contrário, a mesma agilidade que hoje é vantagem pode se transformar em risco operacional, fiscal ou reputacional. O que vemos atualmente é a construção de uma infraestrutura híbrida: parte bancária, parte blockchain, parte automatizada, parte ainda manual. Essa convivência exige cautela, transparência e entendimento profundo dos limites de cada tecnologia. A promessa de liquidez instantânea não elimina a necessidade de governança, assim como a eficiência operacional não substitui políticas claras de auditoria e rastreabilidade. A reflexão necessária é simples, mas decisiva, afinal não se trata de perguntar se stablecoins farão parte das operações globais isso já é fato. A questão é como o Brasil, suas empresas e suas instituições vão estruturar essa transição para que o ganho de eficiência não venha acompanhado de perda de segurança, coerência regulatória ou previsibilidade.A tecnologia está posta. Os incentivos econômicos também. O que falta, e ainda está em construção, é o arcabouço que garante que essa evolução aconteça sem improvisos.E é justamente nesse ponto que se define se o país será protagonista ou apenas seguidor da nova infraestrutura financeira que já se consolida. *João Chebante é CEO da Sinergis, empresa brasileira especializada em revenda de software e consultoria estratégica para a transformação digital. |