O Instituto Vladimir Herzog, por meio de seu programa de Educação em Direitos Humanos, vem a público manifestar repúdio à ação policial ocorrida na tarde do dia 12 de novembro de 2025 na EMEI Antônio Bento, em São Paulo.
 

O episódio, que consistiu na invasão do espaço escolar por quatro policiais militares – um deles portando uma metralhadora –, configura um ato de violência extrema, intimidação e coerção, totalmente incompatível com o ambiente que deve ser de acolhimento, segurança e aprendizado para crianças, educadores e comunidade. A conduta dos agentes, que interpelaram e coagiram a diretora por aproximadamente 20 minutos, representa um abuso de autoridade gravíssimo e uma violação flagrante dos direitos humanos.
 

A justificativa para a ação – uma denúncia infundada de que a escola estaria impondo “ensino religioso” afro-brasileiro – revela, na verdade, um ataque perigoso à implementação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. O trabalho pedagógico relatado, baseado no livro “Ciranda de Aruanda” – integrante do acervo oficial da rede municipal –, está em plena conformidade com o currículo antirracista e não se confunde com doutrinação religiosa. Trata-se, sim, de cumprir a lei e de educar para o respeito à diversidade e à pluralidade cultural que formam o nosso país.
 

A postura da Polícia Militar, ao acatar de forma acrítica e truculenta uma queixa individual e transformá-la em uma operação beligerante dentro de uma escola de educação infantil, evidencia:

  • A banalização do absurdo e a escalada da violência como forma de resolução de conflitos.
  • A instrumentalização do Estado por um fundamentalismo religioso que busca suprimir o caráter laico das instituições públicas e censurar o conteúdo pedagógico legalmente estabelecido.
  • A criminalização injusta de educadores que, corajosamente, implementam uma educação comprometida com a equidade e o combate ao racismo.

Este caso não é isolado. Ele se insere em um contexto preocupante de avanço de narrativas que equiparam o ensino da cultura afro-brasileira a “doutrinação”, incentivando a intolerância e o vigilantismo. É inaceitável que o diálogo pedagógico e os espaços democráticos da escola, como o Conselho Escolar, sejam substituídos pela intimidação com armas de guerra.
 

O Instituto Vladimir Herzog, em consonância com os princípios do seu programa de educação em direitos humanos, defende intransigentemente:

  • O direito à educação em um ambiente seguro, livre de qualquer forma de violência ou coerção.
  • A laicidade do Estado e a autonomia das unidades escolares para cumprirem a lei e os currículos oficiais, sem interferência religiosa ou policial indevida.
  • A implementação plena das Leis 10.639/03 e 11.645/08 como ferramentas essenciais para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e antirracista.
  • A valorização dos profissionais de educação, que merecem respeito e apoio em sua missão de formar cidadãos críticos e conscientes.

Solidarizamo-nos integralmente com a diretora e com toda a equipe da EMEI Antônio Bento, com as crianças e suas famílias, que tiveram seu espaço de convívio e aprendizado violado. A coragem da diretora e da comunidade escolar em relatar os fatos e buscar os canais legais é um exemplo de resistência democrática.

Exigimos das autoridades competentes uma apuração rigorosa e consequente deste caso, para que os responsáveis por este despropósito sejam devidamente responsabilizados. Que este triste episódio sirva como um alerta para a sociedade sobre os riscos reais que cercam nossas escolas e a nossa democracia.

Pela vida, pela educação e pelos direitos humanos!

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Aspas Hamilton Harley
 

Coordenador executivo de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog
 

“Este caso na EMEI Antônio Bento, embora chocante por si só, não é um fato isolado ou um simples 'excesso'. Ele é a expressão de um problema sistêmico: a violência de Estado, que frequentemente se vale de um discurso de criminalização de certos grupos para legitimar suas ações violentas perante a opinião pública. O discurso da 'proteção das crianças' contra uma suposta 'doutrinação' foi o mote para justificar uma ação beligerante e a intimidação de educadores. Um pânico moral é fabricado para mascarar a verdadeira natureza da ação: a imposição de uma ordem pela força, a supressão de determinados saberes e a aniquilação simbólica – e por vezes física – de quem é visto como 'diferente' ou 'inimigo'".


IMPRENSA
Antonio Sales
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