Força-tarefa da Sefaz-SP revisa processos de ICMS-ST; análise jurídica expõe como a fraude ameaça a livre concorrência

A Operação Ícaro, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo com apoio da Polícia Militar e da Corregedoria da Fiscalização Tributária da Sefaz-SP, revelou um esquema bilionário de favorecimento na liberação de créditos de ICMS. Entre os investigados estão o fundador da Ultrafarma, um executivo da Fast Shop e o auditor fiscal estadual Artur Gomes da Silva Neto.

Nos últimos dias, a Secretaria da Fazenda paulista criou uma força-tarefa com oito auditores fiscais para revisar todos os processos de ressarcimento de ICMS-ST, após indícios de que deferimentos foram manipulados em benefício de grandes varejistas. As apurações identificaram contratos simulados com a empresa Smart Tax — registrada em nome da mãe do auditor, cujo patrimônio saltou de R$ 411 mil em 2021 para quase R$ 2 bilhões em 2023 — e suspeitas de pagamentos “por fora”, inclusive em criptomoedas.

Sidney Oliveira, fundador da Ultrafarma, foi preso temporariamente em 12 de agosto e solto dias depois, mediante fiança de R$ 25 milhões e medidas cautelares. O auditor e outros servidores continuam presos. O Ministério Público estima que os valores envolvidos ultrapassem a casa do bilhão, em prejuízos ao fisco e em propinas.

De acordo com Mariana Andrião, especialista em Direito Empresarial e consultora de Planejamento Sucessório, e Ranieri Genari, especialista em Direito Tributário pelo IBET e consultor tributário, ambos advogados da Evoinc, o núcleo do caso recai sobre créditos de ICMS nas modalidades de ressarcimento e compensação — instrumentos legítimos, previstos no art. 155, § 2º, I e XII, “c”, da Constituição Federal e regulamentados pela Lei Complementar nº 87/1996.

“O deferimento desses créditos exige análise criteriosa, com documentação idônea e base legal comprovada. Segundo as investigações, esse rito pode ter sido deliberadamente quebrado, com manipulação de fluxos processuais e priorização indevida de deferimentos”, explica Genari.

As investigações apontam ainda que o certificado digital da Ultrafarma estava instalado no computador do auditor. Se confirmado, isso viola deveres funcionais previstos no art. 116 da Lei nº 8.112/1990 (aplicável por simetria aos estatutos estaduais), caracteriza improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429/1992 e afronta o princípio da impessoalidade da Constituição Federal.

O episódio, segundo os especialistas, evidencia falhas simultâneas nas três linhas de defesa das organizações: operações permissivas que ignoram protocolos, compliance ineficaz e auditoria interna sem independência.

“Governança corporativa não é mera formalidade: é uma proteção ativa contra abusos de cargo, acessos e relações. Esse caso mostra como a ausência de controles internos cria espaço para desvios que corroem a confiança na administração tributária”, afirma Andrião.

Além do dano aos cofres públicos, os advogados ressaltam que a concessão indevida de créditos tributários distorce a livre concorrência, princípio inscrito no art. 170, IV, da Constituição. Empresas beneficiadas ilegalmente obtêm vantagens que podem ser repassadas nos preços, sufocando concorrentes regulares — em especial pequenos e médios contribuintes.

“Essa concorrência desleal compromete o equilíbrio do mercado, pode levar ao fechamento de empresas, à perda de empregos e até à concentração de mercado. Em última análise, o risco é a elevação artificial de preços, que atinge diretamente o consumidor final, sobretudo o de baixa renda”, reforça Genari.

Para os especialistas, a Operação Ícaro demonstra que integridade deve ser tratada como investimento, não como custo. “A demora e a burocracia excessiva no ressarcimento de créditos acumulados, somadas à fragilidade dos controles internos, criam terreno fértil para práticas ilícitas”, afirmam.

Enquanto não houver alinhamento entre eficiência administrativa, transparência e segurança jurídica, alertam, novos episódios semelhantes continuarão a corroer tanto a confiança pública quanto o ambiente de negócios no país.

Fontes:

Mariana Andrião é advogada especialista em Direito Empresarial e consultora de Planejamento Sucessório na Evoinc.

Ranieri Genari é advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto e consultor tributário na Evoinc