Com curadoria de Adélia Borges, "Design e cotidiano na coleção Azevedo Moura" reflete sobre a formação de identidades por meio da cultura material
Detalhes de portas da coleção Azevedo Moura Link: Imagens para imprensa
Móveis, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho, fotografias e materiais gráficos. Estes são alguns dos objetos escolhidos ao longo de seis décadas pela dupla de colecionadores Calito e Tina. Apresentados na exposição Design e cotidiano na coleção Azevedo Moura, em cartaz no Museu do Ipiranga, a partir de 27 de maio, o conjunto valoriza a produção manual e os vínculos afetivos com objetos do dia a dia.
Com curadoria da historiadora de design Adélia Borges, o projeto reúne 930 itens adquiridos ao longo de décadas, desde meados de 1960, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. São objetos produzidos por imigrantes europeus no sul do Brasil entre a segunda metade do século 19 e o início do século 20. A coleção representa o imaginário social e o dia a dia de imigrantes alemães e italianos e revelam aspectos pessoais do universo doméstico de pessoas que buscavam construir uma nova vida. As obras conjugam as lembranças, as técnicas e os costumes trazidos pelos imigrantes de sua terra natal, de um lado, e as condições e materiais que encontraram na terra de adoção, de outro. Passando por questões como habitação, religiosidade, marcenaria e culinária, os objetos apresentados denotam como uma mesma tipologia de artefato pode ter diferentes feições, carregando aspectos afetivos e emocionais. Trata-se de uma escolha dos colecionadores, que optaram por valorizar o trabalho manual contrapondo-se à lógica industrial de produção de peças idênticas em massa. “A maioria desses objetos não tem valor pecuniário em si. Eles não são itens que se encontram em antiquários, valorizados por sua equivalência monetária. A maior parte é rudimentar e remete à nossa raiz rural. A urbanização do Brasil é recente, então essas peças suscitam relações fraternas, tradições geracionais e memórias afetivas”, afirma Borges. No Museu do Ipiranga, a exposição ganha uma roupagem diversa e ao mesmo tempo complementar à proposta curatorial das exposições de longa duração. Enquanto as peças aqui apresentadas revelam aspectos da cultura e da identidade dos imigrantes, o conjunto também carrega os desejos de quem coleciona e, mais do que uma preocupação com dados históricos, sobressai a valorização dos significados afetivos. “Colecionar é uma forma de escolher objetos e criar um mundo próprio, baseado nos desejos de quem coleciona. A coleção está ligada à realidade, mas não a reproduz exatamente”, afirmam os professores David Ribeiro e Vânia Carvalho, curadores institucionais. Dividida em dez núcleos temáticos e uma sala de vídeo, a exposição enfatiza a beleza e o design de peças que não foram criadas para a elite, mas sim para pessoas comuns, que contribuíram com a formação de uma memória coletiva baseada em trocas culturais. Ao entrar em contato com a coleção, o público poderá reconhecer elementos que talvez façam parte de suas próprias histórias. Essa identificação acontece porque, por ser cotidiano, o acervo pode ganhar significados pessoais para cada visitante. O primeiro núcleo da exposição, intitulado Pode entrar que a casa é sua, mostra como os imigrantes artesãos utilizaram a abundância de árvores locais para produzir técnicas de marcenaria diferentes das empregadas na Europa. Com madeiras propícias para a construção (como cedro, cabriúva e canjerana), eles aproveitaram os grandes lotes de terras para tratar a lenha com maestria, muitas vezes esculpindo portas com requinte de detalhes. Essa mesma diversidade aparece também em As várias formas do sentar, que apresenta cadeiras e bancos produzidos pelas duas comunidades europeias. Ora com ornamentos, ora mais rústicos, estes itens revelam o valor simbólico e funcional do mobiliário no cotidiano, incluindo o tradicional cavalinho de madeira -símbolo do sentar-se lúdico e do afeto familiar entre crianças e adultos. Em Preparar e servir o pão de cada dia, são exibidos utensílios destinados ao preparo de alimentos ou ao esmero em servi-los. A culinária, uma das mais fortes expressões de identidade cultural de um povo, reflete os hábitos alimentares de cada nação e traduzindo-se também nos apetrechos criados para o preparo das receitas. Já em Mande notícias do mundo de lá, cartões postais trazem cenas românticas que idealizam o continente deixado para trás. Paisagens floridas, crianças e corações aparecem nessas imagens como cenas de lazer e de correspondência entre os dois universos. Nos ditados de parede da tradição alemã expostos em Lar, doce lar, outras ilustrações simples destacam a importância da união familiar e da confiança em Deus para a harmonia doméstica. São elementos gráficos como corações e flores, que acompanham frases escritas muitas vezes em letras góticas. O núcleo O céu que nos protege apresenta como a religiosidade católica estava presente nas famílias italianas, seja por meio de reproduções de pinturas sacras ou pequenos oratórios. Ele demonstra como nos lares germânicos havia protestantes e católicos, enquanto entre os italianos o catolicismo era dominante. Grafias de época, por sua vez, exibe peças de comunicação gráfica como folhetos publicitários que divulgavam mercadorias. São peças que representam o imaginário social do período, tais como os cartões postais e as fotografias. Noivas de preto destaca o costume de noivas que se casavam vestidas de preto. De acordo com muitos historiadores, essa tradição seria uma forma de protestar contra “jus primae noctis”, isto é, o direito do senhor feudal de ter a primeira noite. Além da memória dessas mulheres, na coleção Azevedo Moura, a lembrança da infância também se faz presente. Em Infância nas colônias, é possível observar os costumes e a criação das crianças – que seguia a cultura ocidental burguesa – por meio de brinquedos, fotografias e materiais escolares. Por fim, em Ferramentas do fazer, é apresentado o serviço de marceneiros, ferreiros, oleiros, pedreiros, sapateiros, alfaiates e farmacêuticos. Os artefatos mostram a realidade muitas vezes precária dos trabalhadores, além de como eles acompanharam a transformação de matérias primas ao longo dos anos. Uma parte da coleção foi apresentada na mostra Artefatos do Sul – Legados da Imigração Alemã e Italiana, realizada em 2024, em Porto Alegre, em celebração aos 200 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul e aos 150 anos da imigração italiana no Brasil. A exposição teve seu encerramento antecipado devido às enchentes que atingiram o estado. Agora, a coleção pode ser observada sob a ótica do colecionismo, que convida à reflexão sobre o papel da cultura material na formação de identidades. A exposição tem entrada gratuita e está instalada no salão de exposições temporárias, um espaço moderno, acessível e climatizado, com 900m2, localizado no piso jardim, o pavimento mais recente do Museu do Ipiranga.
Sobre Adélia Borges Adélia Borges (Cassia, MG, 1951) é crítica e historiadora de design. Seu trabalho passa por diversas produções, tais como exposições, livros, reportagens, documentários, cursos e palestras, no Brasil e no exterior. Recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 2021, por sua contribuição à investigação e difusão do design brasileiro e do sul global. Tem textos publicados em sete idiomas e é autora ou coautora de 41 livros.
Serviço: Design e cotidiano na coleção Azevedo Moura
Museu do Ipiranga Endereço: Rua dos Patriotas, 100 Funcionamento: Terça a domingo (incluindo feriados), das 10h às 17h (última entrada às 16h). A bilheteria abre às 9h nos dias pagos e 10h nos dias de gratuidade. Ingressos para as exposições de longa-duração: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada). Gratuidades: Quartas-feiras e primeiro domingo do mês. Confira mais informações: museudoipiranga.org.br/visite/
Transporte público: De metrô, há três estações da linha 2 (verde) próximas ao Museu, Alto do Ipiranga (30 minutos de caminhada), Santos-Imigrantes (25 minutos a pé) e Sacomã (25 minutos a pé). A linha 710 da CPTM tem uma parada no Ipiranga (20 minutos de caminhada).
Principais linhas de ônibus: 4113-10 (Gentil de Moura – Pça da República), 4706-10 (Jd. Maria Estela – Metrô Vila Mariana), 478P-10 (Sacomã – Pompeia), 476G-10 (Ibirapuera – Jd.Elba), 5705-10 (Terminal Sacomã – metrô Vergueiro), 314J-10 (Pça Almeida Junior – Pq. Sta. Madalena), 218 (São Bernardo do Campo – São Paulo).
Pessoas com deficiência em transporte individual: na entrada da rua Xavier de Almeida, nº 1, há vagas rotativas (zona azul) em 90°. Bicicletas: para quem usa bicicleta, há paraciclos disponíveis próximos aos portões da R. Xavier de Almeida e R. dos Patriotas.
Museu do Ipiranga – USP O Museu do Ipiranga é uma das sedes do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, que também agrega o Museu Republicano de Itu. É um dos mais completos e modernos museus da América Latina, com 49 salas expositivas no edifício monumento, abrigando exposições de longa duração que apresentam um panorama da História e da cultura material brasileira. São elas: “Passados imaginados”, “Uma História do Brasil”, “Para entender o Museu”, “Casas e coisas”, “Mundos do trabalho”. O Museu também conta com uma sala expositiva no Piso Jardim, pronta para receber exposições temporárias que articulam os conteúdos presentes no edifício monumento a temas da atualidade.
A acessibilidade é tema estratégico do Museu, que busca ser inclusivo para todas as esferas da sociedade. Os recursos acessíveis figuram em todos os pavimentos do edifício, integrados às exposições. A gestão do Museu do Ipiranga é feita pela direção do Museu Paulista, com suporte da Fundação de Apoio ao Museu Paulista (FAAMP).
O edifício, tombado pelos órgãos de patrimônio municipal, estadual e federal, foi construído entre 1885 e 1890 e está situado dentro do complexo do Parque Independência. Concebido originalmente como um monumento à Independência, tornou-se em 1895 a sede do Museu do Estado, criado dois anos antes, sendo o museu público mais antigo de São Paulo e um dos mais antigos do país. Está, desde 1963, sob a administração da USP, atendendo às funções de ensino, pesquisa e extensão, pilares de atuação da Universidade.
Patrocinadores e parceiros: Mantenedor: Shell, Vale Patrocínio Ouro: B3, Comgas Patrocínio Prata: Caterpillar, Goodyear, Rede Itaú, Zurich Santander Seguros e Previdência Brasil Empresas parceiras: Atlas Schindler, Banco BV, Dimensional, Nortel, PWC, Sabesp, Singer e Smiles
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