“Cashback para baixa renda não se sustenta e criação da CBS rompe equilíbrio entre entes federativos”, diz tributarista

 

A recente proposta de correção da tabela do Imposto de Renda é defendida como uma medida de justiça fiscal pelo advogado tributarista André Felix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Ele aponta que a defasagem da tabela ao longo dos anos é um dos principais fatores de injustiça no sistema tributário brasileiro. “Sou a favor da faixa de isenção até R$ 5 mil. Isso não é um benefício legal — é uma garantia constitucional do mínimo para subsistência”, afirmou.

 

Ricotta destacou que, se o limite de isenção adotado em 1996 — de R$ 900 — tivesse sido corrigido pela inflação, atualmente pessoas com renda de até R$ 8.789 estariam isentas do tributo. “Essa proposta é uma reparação histórica”, pontuou, acrescentando que a carga tributária no Brasil é extremamente concentrada nas empresas do lucro real: “65% da arrecadação federal vem dessas empresas. A renda está concentrada, e a tributação segue essa lógica”.

 

Ao analisar o modelo adotado com a reforma tributária sobre o consumo, o especialista foi ainda mais incisivo. “A ideia vendida de que a reforma vai devolver tributos às pessoas de baixa renda é um engodo. O cashback só incidirá 100% sobre a CBS e, mesmo assim, apenas para itens como gás, energia elétrica e saneamento. Fora isso, 80% do tributo continuará sendo pago pela população pobre tanto a título de CBS como IBS”.

 

Ricotta também criticou a forma como o governo estruturou a reforma, sem antes realizar mudanças na máquina pública. “O erro foi fazer uma reforma tributária sem uma reforma administrativa. Com a criação da CBS, a União ampliou sua base de arrecadação, enquanto os estados perderam protagonismo. O IBS e a CBS são irmãos gêmeos criados por pais distintos que não confiam um no outro. Isso tende a gerar problemas graves de gestão, disputa federativa no futuro e distorções tributárias”.

 

Sobre a possível volta da tributação de lucros e dividendos, o tributarista destacou que o debate atual precisa considerar todo o histórico e o contexto fiscal brasileiro. “Na década de 1990, o Brasil optou por tributar fortemente a renda das pessoas jurídicas e isentar a distribuição de lucros. Isso foi feito para evitar discussões infindáveis sobre distribuição disfarçada de lucro. Agora, querem retomar essa tributação, mas sem considerar o que já é pago”.

 

Para Ricotta, qualquer nova alíquota sobre lucros e dividendos precisa ser calibrada levando em conta os impostos já recolhidos pelas empresas, incluindo IRPJ, CSLL e até PIS/Cofins. “Nenhuma empresa paga efetivamente 34% a título de IRPF e CSLL. A média é de 25%. Se já pagou esse valor, a tributação sobre o sócio deveria ser zero. O debate precisa ser transparente. A Receita tem esses dados e deveria divulgá-los”, defendeu.

 

Por fim, o tributarista lamentou que, no Brasil, medidas que prometem equidade fiscal acabem sendo desvirtuadas na prática. “Criaram até um ‘piso do piso’ com o cashback. Dizem que é para quem ganha meio salário mínimo per capita, mas isso ignora a realidade de milhões de famílias. Um casal que ganha dois salários mínimos não terá direito a nada. Isso é uma falácia vendida à imprensa e à sociedade”.

 

Fonte: André Felix Ricotta de Oliveira, professor doutor em Direito Tributário, sócio da Felix Ricotta Advocacia, coordenador do curso Tributação sobre o Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/Pinheiros.