Clearance é um dos principais recursos para que obras cinematográficas não tenham risco de sofrer ações na justiça
No contexto do Oscar 2025, a ser realizado na noite de domingo (2), é importante que grandes produções cinematográficas estejam com todas as permissões de uso de imagens, músicas e direitos autorais regularizadas, evitando disputas legais que possam comprometer a exibição e premiação das produções.
Para isso, existe um recurso jurídico, aplicado no Direito do Entretenimento, conhecido por clearance. No universo da produção audiovisual, ele constitui etapa essencial para a segurança jurídica da obra audiovisual, consistindo na verificação e regularização dos direitos incidentes sobre os diversos elementos que a compõem a fim de assegurar sua exibição e exploração comercial sem violação de direitos de terceiros.
De acordo com Carolina Veludo, advogada do Ambiel Advogados e especialista em Propriedade Intelectual na área de Entretenimento e Desportivo, a ausência de um clearance adequado pode resultar em sanções severas e extremamente prejudiciais à obra, como a retirada do filme, a imposição de indenizações vultosas e a restrição de sua exibição em festivais, plataformas de streaming e salas de cinema.
“A implementação de um processo de clearance rigoroso é uma ferramenta fundamental para viabilizar a distribuição segura e eficaz da produção audiovisual, garantindo sua conformidade legal e seu pleno aproveitamento comercial”, explica.
A complexidade desse levantamento exige uma abordagem criteriosa e técnica, de modo a evitar litígios que possam comprometer a continuidade da produção e sua exploração comercial. Essa abordagem deve levar em consideração tanto (i) os direitos autorais, tais como músicas, fotografias, filmagens que serão reproduzidos no filme e devem ser licenciados com os respectivos autores e titulares, como (ii) os direitos de personalidade, que constituem na imagem, voz, honra e privacidade de cada pessoa, assim como (iii) os mais diversos tipos de direitos de propriedade industrial, tais como marcas e patentes. Sendo a análise de cada direito e sua autoria e titularidade devendo ser feita de forma específica e singular de acordo com o conteúdo e teor da obra audiovisual produzida, além da análise de como este será reproduzido no filme.
Em certos casos, pode ser orientado, inclusive, a contratação de seguros específicos para a indústria cinematográfica, como o seguro de Erros e Omissões (E&O) e o seguro de produção (film package). “Esses instrumentos oferecem proteção adicional contra eventuais reclamações decorrentes da utilização indevida de direitos de terceiros, conferindo maior segurança às produtoras, investidores e distribuidores, além de garantir a segurança financeira da obra sobre problema ocorridos durantes a produção e filmagem”, afirma a advogada.
Um caso recente que evidenciou a importância de clearance nas produções audiovisuais foi o super sucesso mundial da Netflix “Bebê Rena”. Sendo uma produção que alcançou mais de 60 milhões de visualizações ao redor do mundo em apenas um mês, a série convive, atualmente, com o risco de uma ação judicial para que seja definido até que ponto foi garantido pela produtora as precauções e privacidade necessárias às pessoas ilustradas, assim como se houve difamação e calúnia sobre determinadas personalidades e acontecimentos pela forma de narrativa dos fatos.
Referido risco se deu, pois é possível identificar na série – que é uma adaptação ficcional de eventos da vida de um escritor (Richard Gadd) e uma possível perseguição que este sofreu de uma mulher – as pessoas reais que foram usadas como inspiração para os personagens da série. Isto é, foi possível localizar as pessoas reais que tiveram suas vidas retratadas em uma série reproduzida em uma das maiores plataformas de streaming (Netflix) e assistidas mundialmente por milhões de telespectadores sem sua permissão ou consentimento, além de terem fatos e acontecimentos pessoais de sua vida privada narrados de forma controversa e, até onde alegam, inverídicos.
De acordo com Jake Kanter, editor de investigações internacionais do site Deadline, em sua fala à BBC, caso a pessoa real tenha sido usada, de fato, para caracterizar a pessoa retratada em série “uma das coisas mais chocantes [que surgiram] da entrevista foi que ela não foi informada sobre a produção da série; que ela não foi avisada de que isso aconteceria". [...] "Mesmo que ela não tenha sido nomeada ou identificada diretamente, meu instinto é que uma emissora ou serviço de streaming e a produtora responsável teriam feito a devida diligência e informado aos indivíduos sobre a história a ser apresentada, assegurando-lhes que estavam tomando medidas para proteger suas identidades.” [...] "Se tivessem feito isso, estaríamos em uma situação um pouco diferente. Ela poderia ter levantado preocupações e eles poderiam ter sido capazes de abordar isso como parte do processo de produção e roteiro".
De acordo com a especialista, caso a pessoa retratada entre com uma ação judicial contra a Netflix, ficará a cargo de cada parte comprovar que, de um lado, ela foi alvo de difamação pela forma como fatos pessoais inverídicos sobre sua vida privada foram narrados em uma obra audiovisual de larga exposição, sendo identificada como personagem de uma série sem seu consentimento e comprovando que o devido cuidado e diligência da Netflix falhou, e, de outro lado (da plataforma), que todas as precauções foram tomadas para que a identificação não fosse possível ou, ainda, que a personagem da série trata-se apenas de uma personagem ficcional, não correspondendo com a pessoa requerente. A depender do que for decidido em tribunal, a série poderá não apenas ser retirada de todas as plataformas de streamings ao redor do mundo, como também poderá ter a condenação da Netflix no pagamento de indenização por danos morais e a obrigação de retratação pública sobre o ocorrido, retratando sua falha em representar a verdade dos fatos.
No contexto de premiações e, principalmente, do Oscar, não haja uma regra explícita da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), associação responsável pelas indicações do Oscar, que impeça a indicação de filmes com disputas jurídicas em andamento, o alto risco de uma controvérsia pública em razão de um litígio judicial proveniente da falta de autorização de determinado direito e a eventual retirada do filme em determinadas plataformas e localidades pode afetar significativamente a campanha de premiação e comprometer a reputação dos envolvidos.
“A falha no clearance de direitos de uma obra audiovisual indicada ao Oscar pode não apenas obstruir sua distribuição internacional – uma vez que a maior notoriedade do filme amplifica a possibilidade de identificação por titulares de direitos sobre obras ou materiais nele reproduzidos –, mas também acarretar significativos prejuízos financeiros e danos à reputação de estúdios, produtores e diretores”, conclui.
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Carolina Veludo é especialista em Direito Autoral na área de Entretenimento e Mídia |
Fonte:
Carolina Veludo - advogada do Ambiel Advogados e especialista em Propriedade Intelectual e Direito Autoral na área de Entretenimento e Mídia
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