Moradores, pescadores e ativistas exigem ações urgentes para recuperar o rio contaminado por produtos tóxicos e minimizar os impactos sociais e ambientais na região
Texto: Juliana Portella | Fotos: Lyvia Leite
Vinte e sete dias após o grave derramamento de substâncias tóxicas que contaminou o Rio Suruí, em Magé, na Baixada Fluminense (RJ), moradores, pescadores e ativistas participaram neste domingo (27) de uma caminhada inter-religiosa para exigência de justiça e ações concretas de recuperação ambientais. Organizado pelo GreenFaith no Brasil em parceria com associações locais, o protesto reuniu pessoas de diversas discussões e pessoas de fé em um ato simbólico ao longo das margens do rio.
Rafael Santos Pereira, 37 anos, presidente da Associação de Caranguejeiros e Amigos dos Mangues de Magé, vê o derramamento com grande preocupação. “A comunidade está prejudicando com as consequências desse crime ambiental”, afirma Rafael, pescador artesanal e morador de Magé. “O caranguejo, o guaiamum, estão todos contaminados. Agora, com o período de defeso (período em que a pesca é proibida para proteger a reprodução das espécies e preservar os estoques naturais) , a situação se agrava ainda mais. Estamos lutando para que as autoridades assumam a responsabilidade, implementem medidas de recuperação do rio e apoiem as famílias prejudicadas.” reivindica.
O acidente, ocorrido em 1º de outubro de 2024, foi causado por uma colisão entre dois caminhões-tanque, derramando cerca de cinco milhões de litros de gasolina, diesel e emulsão asfáltica no Rio Suruí, um afluente da Baía de Guanabara. O incidente trouxe impactos ambientais e sociais, comprometendo a saúde do rio e a subsistência de pescadores e moradores que dele dependem.
Um caminhão-tanque colidiu com uma carreta na BR-116, em Magé, causando o derramamento de produtos químicos no Rio Suruí. — Foto: Polícia Rodoviária Federal/Reprodução
Impactos e descaso do poder público
Embora medidas emergenciais, como a instalação de boias de contenção, tenham sido anunciadas após o acidente, os pescadores denunciam a falta de apoio financeiro e de assistência dos governos em todos os níveis.
Os impactos no ecossistema e na saúde da população são alarmantes. Moradores relatam irritações na pele, problemas de doenças e intoxicação.
“Estou tomando remédio desde que tudo aconteceu; minha garganta ainda dói, e meu neto também passou mal", conta Vanilza da Conceição Gomes, pescadora e moradora de Magé. "Dependemos do caranguejo para sobreviver, mas ninguém quer comprar com medo de contaminações. Estamos vendo um berço de vida destruído. O mangue sustenta nossa comunidade, e sem ele, nossa pesca e nosso sustento estão ameaçados." conta.
Magé: zona de sacrifício?
O desastre no Rio Suruí reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade de Magé aos impactos da indústria do petróleo e das mudanças climáticas. Em 2018, o município já havia sido atingido por um vazamento de óleo bruto de um oleoduto da Transpetro, que contaminou a APA Rio Estrela e o Parque Natural Barão de Mauá.
"Magé é uma cidade com uma rica biodiversidade, mas que tem sido tratada como uma 'zona de sacrifício'", denuncia Raiane Marques, educadora popular da ONG Água Doce. "A exploração de combustíveis fósseis e o descaso com o meio ambiente têm custos muito altos para a população e para o planeta. É preciso mudar essa lógica e garantir que as comunidades tenham o direito de viver em um ambiente saudável e seguro." explica.
Dados alarmantes
Segundo dados do mapa da desigualdade, publicado pela Casa Fluminense em 2023, Magé é um dos municípios mais vulneráveis a desastres ambientais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Cerca de 66% dos domicílios em Magé estão localizados em áreas de alto risco de alagamento, o que corresponde a mais de 73 mil residências. A Baixada Fluminense como um todo apresenta uma média de 28% dos domicílios em áreas de risco alto de inundações, superando a capital e a média da região metropolitana.
Além disso, um levantamento realizado pelo Painel Climático da Casa Fluminense revela que 13 dos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio não possuem Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil publicado. A Baixada Fluminense, região com o maior número de mortes nas recentes chuvas, concentra 8 cidades que não publicizam seus planos de contingência.
"Reinvindicamos que o município elabore e implemente planos de contingência, invistam em infraestrutura e promovam ações de educação ambiental para proteger a população e o meio ambiente." Cobra o pescador Rafael.
Carla Lubanco, gestora ambiental e mobilizadora do GreenFaith Brazil, destacou a gravidade da situação: “Desde o acidente, os pescadores não estão recebendo o apoio financeiro a que têm direito durante o defesa, o que comprometem a sua subsistência. Além disso, a contaminação do pescado gera um recebimento generalizado: quem irá consumir peixe poluído? A saúde da comunidade também foi afetada. A urgência da situação exige uma mobilização ainda maior para garantir a sobrevivência de nossa comunidade.”
"A caminhada representa um grito por dignidade e direitos, exigindo que o poder público priorize a proteção do Rio Suruí e o amparo às famílias que dependem dele para viver", defende Carla.
Justiça climática e fé:
A caminhada inter-religiosa em Magé foi um momento de união entre representantes de diferentes religiões, que se reuniram em um chamado coletivo por justiça climática e responsabilização pelo desastre no Rio Suruí. Julia Rossi, doutora em Geografia e coordenadora do GreenFaith no Brasil, ressaltou a profundidade desse compromisso: "Ter fé é muito mais do que uma crença; é um chamado ao cuidado e ao compromisso com o território em que vivemos e com o bem viver." Sua afirmação ecoou entre os participantes, destacando a urgência de ações concretas para investigar as causas do acidente, punir os responsáveis e restaurar o rio, enquanto se apoia as famílias impactadas.
Além disso, a situação do Rio Suruí exemplifica a necessidade premente de uma mudança na abordagem do Brasil em relação às questões ambientais e às comunidades afetadas pela exploração de recursos naturais. Julia enfatizou que esse movimento inter-religioso não é isolado, mas parte de um esforço global, a campanha “Fé pela Justiça Climática”: "Estamos construindo esse movimento global pela justiça climática. Há pessoas atuando em diferentes realidadesem países como Quênia, Tanzânia, Uganda, Gana, Nigéria, Indonésia, Japão, França e nos Estados Unidos." No contexto do Rio de Janeiro, ella reiterou a importância das pessoas de fé e lideranças religiosas em se unirem para enfrentar os impactos da indústria do petróleo, que ameaça a vida humana e a biodiversidade da Baía de Guanabara.
Um chamado à ação:
Os organizadores pedem que as autoridades investiguem as causas do acidente, punam os responsáveis e implementem medidas para a recuperação do Rio Suruí e o apoio às famílias afetadas.
"A fé nos move a cuidar da criação. Convidamos a todos a se juntarem a nós nesta luta por um futuro mais justo e saudável", finaliza a coordenadora do GreenFaith no Brasil.
O caso do Rio Suruí evidencia a urgência de uma mudança na forma como o Brasil lida com a questão ambiental e com as comunidades afetadas pela exploração de recursos naturais. A luta por justiça climática e social continua, com a esperança de que o desastre seja um ponto de inflexão para a construção de um futuro mais justo e sustentável.
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