Para a presidente da Associação, Luciana Bregolin, é urgente que o país assuma o compromisso de cuidar dos mais carentes
 


Janeiro, 2024. "Ao reivindicar políticas sérias e claras contra as violações de Direitos Humanos nos presídios brasileiros e exigir tratamento adequado para as pessoas em situação de rua, o Supremo Tribunal Federal reforça a relevância da atuação da Defensoria Pública da União (DPU)", a percepção é da presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais, Luciana Bregolin.

Bregolin destaca que quase 50 milhões de pessoas que vivem no Brasil não têm acesso à Justiça, como revelou pesquisa feita pela DPU, e que hoje a Defensoria Pública da União dispõe de apenas 698 defensores para atender todo o território nacional. “Mesmo com a recente posse de novos aprovados em concursos públicos, as contas mudam pouco: um defensor federal para cada 290 mil brasileiros”, observou.

Outra pauta que mobiliza a entidade, segundo a presidente, é o baixo orçamento destinado à Defensoria, que em 2023 foi de R$ 670 milhões (o que equivale a 0,01% do Orçamento da União). De acordo com Luciana, o orçamento da DPU é o mais baixo entre os demais órgãos e entes do sistema de justiça, o que motiva desigualdade e provoca ausência de justiça efetiva para os mais necessitados.

Lei sancionada pode revolucionar assistência jurídica no Brasil

Para Luciana, o advento do Teto de Gastos, em 2017, e o Arcabouço Fiscal, que impuseram limites orçamentários, foram injustas com a Defensoria Pública da União, instituição jovem e apenas recentemente autônoma. Entretanto, a recente sanção da Lei 14.726/23, após mais de 10 anos de tramitação no Congresso Nacional, pode melhorar essa situação. A presidente destaca que em dezembro de 2023, foram criados oito novos núcleos de atendimento em municípios do interior, houve ainda a ampliação do atendimento em sete unidades já existentes e foi estabelecida uma nova unidade em Juazeiro do Norte (CE).

“É claro que a Lei é um avanço para a Defensoria. É fruto de uma grande luta da sociedade. Será possível ampliar a interiorização dos defensores no Brasil, reduzir a evasão de Defensores para outras carreiras, e, o mais importante, garantirá um serviço de maior qualidade para a população”, declarou.

A presidente observa que a sanção da Lei foi o primeiro passo para o cumprimento da Emenda Constitucional 80/2014, que determina a presença de um defensor público federal onde quer que haja um juiz federal.

“Uma vez cumprida a norma constitucional, haverá uma verdadeira revolução na assistência jurídica integral e gratuita à população mais carente, que hoje se encontra desamparada e sem direito a ter direitos”, ressalta.


Defensoria realizou mais de 1,5 milhão de atendimentos
 

Mais de 1,56 milhão de atendimentos foram realizados pela Defensoria entre janeiro e novembro de 2023


Ainda para a presidente, as limitações de recursos humanos e orçamentários exigem empenho singular aos defensores, que não abrem mão de oferecer uma assistência digna e justa à população. A dedicação resultou em mais de 1,59 milhão de atendimentos nas unidades da Defensoria em todo o país, entre janeiro e novembro de 2023. No mesmo período, foram realizadas 12,2 mil tutelas coletivas, com uma média total de 596,1 mil pessoas assistidas. A média total de processos acompanhados foi de 451,2 mil. Aproximadamente 250 mil processos foram abertos ao longo do ano passado. (veja aqui)
 

Ainda assim, a situação segue complexa. Luciana afirma que , diariamente, a resiliência da Defensoria é colocada à prova diante de números. São mais de 281 mil pessoas em situação de rua no Brasil (IPEA). Entre 2021 e 2022 houve aumento de 5% no índice de feminicídios no país. Além disso, as estatísticas do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, a cada 34 horas, uma pessoa LGBTQI+ é assassinada no Brasil e os casos de estupro aumentaram em 15%. O documento revela ainda que 16,4% de crianças e adolescentes são vítimas de exploração. O mesmo levantamento mostrou também que 70% dos 823 mil detidos no sistema prisional brasileiro são negros e que um quarto da população carcerária está detida de maneira provisória, sem julgamento.

“Somos poucos para atender todas essas demandas. Mas resistimos. Somos uma gota com força de tempestade”, afirmou Luciana.
 
O defensor público, Júnior Amaral, lembra que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a Defensoria deve ter voz mais ativa na defesa dos excluídos. A decisão foi tomada pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, com base em um questionamento feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos políticos contra alegadas falhas e omissões do Poder Público no combate à pandemia da covid-19 em relação aos povos indígenas brasileiros.

“A decisão reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública brasileira para intervir em todo e qualquer processo em que os destinatários da prestação jurisdicional apresentem vulnerabilidade”, afirmou.

Luciana comenta que a sanção da Lei 14.726/23, a decisão do STF, a aprovação pelo Senado Federal do nome do novo defensor-geral e sua nomeação pelo Presidente Lula são alentos, mas que ainda há muito mais a ser feito. Para ela, a Defensoria a presença em apenas 27% dos municípios com subseções da Justiça Federal, já deveria estar em 100% desde 2022, como determina a Constituição Federal.

“A ausência de defensor público federal em aproximadamente 70% dos locais evidencia o descaso para com a população mais vulnerável, que segue invisibilizada em seus direitos, que segue sem saber quais são seus direitos, que segue sem ter a quem recorrer para questões fundamentais como, por exemplo, vida, saúde (acesso ao SUS), previdência (idosos, trabalhadores), educação (universidades), moradia (acesso a programas da CEF), assistência social (pessoas com deficiência, idosos) e liberdade (encarceramento em massa), ou seja, todas questões que envolvem direitos relativos à entes federais. A Defensoria é o sim ao povo, e isso deveria ser prioridade de qualquer governo; deveria ser uma política de Estado. É preciso tratar o orçamento da DPU sob as mesmas regras das áreas de Saúde e Educação, para que a atividade não fique sufocada pelos limites impostos pelo Arcabouço Fiscal", comentou e concluiu. “Não estamos dizendo que não precisamos discutir equilíbrio fiscal ou reformas em favor de mais segurança à economia brasileira. Mas o Brasil não é feito de números e sim de pessoas. Precisamos assumir um compromisso sério para resultados concretos pelos mais carentes”.