Glenda Rangel Rodrigues*


Para participar de modo efetivo dos mecanismos de cooperação internacional voltados a mitigar as emissões de carbono e o aquecimento da Terra, que serão discutidos na 26ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro, seria importante o Brasil ter um concreto marco regulatório para o tema e ações eficazes. Tal desafio também amplia as oportunidades do fomento do mercado de descarbonização. De qualquer forma, representantes de várias esferas do governo e entidades da sociedade civil estarão presentes nos diversos fóruns na conferência.

Segundo o Climate Watch, plataforma do World Resources Institute, o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa. A maior parte (44%) é relativa às atividades ligadas à mudança do uso da terra e desmatamento; 28% referem-se à agricultura e pecuária; e 24% à energia e indústria. Tal distribuição evidencia a premência de combater o desmatamento para que o País cumpra sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) perante o Acordo de Paris, que prevê reduzir as emissões de carbono em 37%, em 2025, e 43%, em 2030, tendo como referência o ano de 2005. A neutralização ocorreria em 2060.

A transição energética também é tema fundamental nas discussões do clima. A matriz brasileira tem uma participação de 48% de renováveis, segundo a Empresa de Pesquisa Energética. Em 2020, as hidroelétricas foram responsáveis por 65,2% do total de geração de eletricidade. Com a estiagem, os níveis dos reservatórios estão muito baixos. Como solução de longo prazo, está sendo discutida a expansão baseada em térmicas a combustíveis fósseis. Estudo do Instituto Clima e Sociedade (ICS) considera que esse não é o caminho para preparar o setor elétrico brasileiro para futuras crises hídricas. De acordo com o ICS, deve ser considerada a expansão de fontes renováveis, como eólicas, cujo potencial no Brasil é muito grande. A energia eólica respondeu por 8% da geração de energia elétrica em 2020, mas, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEOLICA), a evolução da capacidade instalada vai dos atuais 20,4 GWh para 30,6 GWh em 2030. De acordo com a ABEEOLICA potencial para instalações em terra pode chegar a 600 GWh e o offshore, até 700 GWh. O debate do planejamento energético também inclui o hidrogênio, um dos potenciais combustíveis do futuro.

A Política Nacional de Mudança do Clima é de 2009 e o Brasil, até 2018, teve participação muito expressiva nas COP. Embora no momento seu posicionamento nas discussões externas esteja discreto, é grande a competência dos profissionais do País que lidam com o tema, que seguem atuantes. Algumas legislações e diretrizes foram publicadas nos últimos anos e meses, regulando partes da gestão. Em 2017, foi proposto e aprovado o Renovabio (Lei nº 13.576/2017), que criou os créditos de descarbonização para os combustíveis veiculares.

Outro exemplo foi a portaria 288/2020, que estabeleceu o Floresta+, programa nacional de pagamento por serviços ambientais, que possibilita aos produtores privados financiarem projetos relacionados à preservação de mata nativa ou outros serviços para o ecossistema. A portaria contém apenas diretrizes gerais da iniciativa e são aguardados outros atos normativos. Vários estados e alguns consórcios interestaduais, como o da Amazônia Legal, também elaboraram ou revisaram programas relacionados à mudança do clima em 2021.

A implementação da gestão das emissões envolve sempre muita discussão nas jurisdições. Há mais de uma possibilidade de formato, sendo as mais usuais o tributo por carbono ou o estabelecimento de um sistema de comércio de emissões. O tributo prevê uma cobrança por unidade de carbono emitida por alguns setores da economia, em geral os intensamente emissores, e gera recursos para a região gestora.

Sobre os sistemas de comércio de emissões (ETS), é interessante conhecer o relatório da ICAP 2020 (International Carbon Action Partnership). Os ETS são também estabelecidos com base em alguns setores, que variam de acordo com a região. São distribuídas permissões de emissão de gases de efeito estufa pelo gestor (que pode ser o País, o estado ou uma jurisdição) para as entidades envolvidas, que podem ser gratuitas ou pagas, gerando uma receita para o País (ou para a região). As instituições que estão emitindo acima de suas permissões precisarão reduzir ou comprar créditos das empresas que estão emitindo abaixo.

Em paralelo aos mercados regulados, há os voluntários, gerenciados por plataformas que operam internacionalmente. Os projetos que mais têm interessados nesses mercados são os relacionados à manutenção de florestas. Empresas, mesmo sem compromissos formais, têm interesse em comprar créditos, cujos processos de certificação nos mercados voluntários e regulados são rigorosos, garantindo a credibilidade.

Um dos programas que fizeram parte importante das discussões foi o projeto PMR (Partnership for Market Readiness) do Banco Mundial. O PMR- Brasil foi desenvolvido desde 2016, sob a governança do Ministério da Economia, envolvendo profissionais de referência, sendo concluído no final de 2020 Indicou a criação de um tributo ou um mercado regulado para alguns setores industriais, que ainda não foi implementado.

Em paralelo, em junho de 2021, foi apresentado o projeto de lei 528, que propõe orientações para um mercado de carbono regulado, envolvendo alguns setores. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), muito atuante nas discussões, complementou a proposta, de maneira que a mesma Entidade Nacional Designada (gestor) trate dos dois mercados de carbono, o regulado e o voluntário, mantendo um único registro de emissões. O PL encontra-se em fase de audiência pública.

Em meio a todas essas questões, que estarão na pauta da COP 26, o Brasil precisa acelerar suas políticas de gestão das emissões. O envolvimento maior da sociedade será fundamental para impulsionar as discussões e para que o País retome o protagonismo nesse tema fundamental para a humanidade.

*Glenda Rangel Rodrigues é consultora líder em qualidade do ar e descarbonização da Ramboll Brasil.