Vice-prefeita de Barra Mansa elencou políticas
públicas desenvolvidas no município
“Está extinta a escravidão no
Brasil”. Em 14 de maio de 1888, essa era a manchete exposta em diversos jornais
do país, mas o dia seguinte, também considerado “o dia que nunca acabou” revela
ainda uma face de racismo e discriminação racial. Na época, cerca de 800 mil
escravos ganharam emancipação jurídica no Brasil. Mas, um dos últimos países a
extinguir a escravidão não formulou políticas públicas para inclusão dos
negros. O reflexo disso se vê nos dias de hoje.
A vice-prefeita de Barra Mansa Fátima
Lima afirma que ainda há muito que se avançar em políticas públicas de
igualdade racial no Brasil. “É uma abolição inacabada porque ela não existe.
Não trouxe dignidade para o povo negro, porque libertaram, mas não se
preocuparam em criar políticas para introduzir essas pessoas na sociedade.
Muitos voltavam para as fazendas para garantir o sustento dos filhos e não
morrerem de fome. Para aqueles que ficavam nas zonas urbanas a única forma de
moradia era em subúrbios e favelas, com precariedade no saneamento básico e
falta de oportunidades”.
O desafio hoje, segundo a
vice-prefeita, é tratar a ferida da exclusão social na estrutura da sociedade.
“O racismo ainda impera. Construir artifícios para superar as brutalizações
causadas pela opressão se tornam um instrumento de libertação. Uma das maiores
dificuldades na construção dessas estratégias é o olhar que ainda existe sobre
nós, como naturalmente fortes. Do povo negro foi exigido que ele fosse essa
fortaleza, para que pudesse sobreviver. A dignidade da pessoa humana lhe foi
negada e o Estado foi omisso para as suas necessidades. Precisamos garantir
transformações na sociedade que nos permitam viver plenamente, que possamos ser
frágeis, fortes, alegres, tristes. Que possamos ter a liberdade de sentir as
contradições do ser humano”.
Segundo ela, as leis de inclusão como
as cotas raciais e sociais facilitaram a entrada desse público em universidades
e o acesso ao emprego, mas não foram suficientes para garantir a igualdade de
direitos e o fim do racismo. “Muito se discute de forma preconceituosa as
cotas, mas é uma questão muito importante. As cotas raciais têm garantido cada
vez mais a inclusão social do povo negro. O estudante negro que ingressa em uma
universidade através da cota racial precisa provar a sua capacidade para
garantir a sua classificação e se formar como qualquer outra pessoa”, explica.
Ela ainda completa. “A lei diz que
todos somos iguais e somos mesmo, mas na realidade não é o que vivemos. É muito
difícil ser negro numa sociedade que não te aceita. Mesmo sendo tão capacitado
como outras pessoas, você tem que se esforçar ainda mais para provar que você é
capaz. Assim como acontece com as mulheres em relação aos homens. Acredito que,
para resolver essa questão, são necessárias políticas públicas para combater
essa desigualdade. A lei não resolve sozinha, ela precisa ser aplicada por
pessoas e governantes preocupados com essa questão”.
Com a atuação da Gerência de Promoção
da Igualdade Racial (GEPIR) e através da aplicação de leis como a municipal nº
3592/2006 e a federal 10.639/2003, Barra Mansa tem avançado nesses quesitos e
já é possível perceber principalmente na Educação, que, segundo Fátima Lima, é
o portão para uma nova conscientização da sociedade. “A Educação é o melhor
caminho para trabalhar ações contra a desigualdade incluindo essas leis no
currículo dos alunos. É importante que os professores, pais e coordenação
escolar estejam preocupados para uma pedagogia não discriminatória”, afirma
Fátima, que vê no projeto de ensino em tempo integral uma oportunidade de se
trabalhar melhor a temática sobre igualdade racial e propiciar aos alunos
carentes chances únicas como estudo de línguas como inglês, francês, alemão e
espanhol, além de empreendedorismo e robótica.
No campo da Saúde, existe um trabalho
específico para a saúde da população negra com capacitação, palestras e
orientações no tratamento de doenças mais comuns em negros como Diabetes
Mellitus e anemia falciforme. A Cultura também tem sido uma ferramenta de
transformação. Com o objetivo de promover a difusão da cultura afro por meio da
ampliação da voz e do conhecimento sobre a cultura negra em Barra Mansa, o
projeto Afro Saberes conquistou a população com palestras e discussões sobre a
igualdade racial. “Nesse ano, o projeto passa por uma reformulação, em vez de
ser realizado em locais específicos, o projeto será levado para as escolas”,
diz a vice-prefeita. O projeto é desenvolvido pela Coordenadoria do
setor de Formação da Fundação Cultura Barra Mansa – FCBM em parceria com a
GEPIR.
Professora por mais de 40 anos,
Fátima também é mãe de três filhos e enxerga a vice-prefeitura de Barra Mansa
como um grande desafio e símbolo de representatividade, como mulher e negra. “É
um desafio ser vice-prefeita, é a primeira vez que uma mulher negra ocupa esse
cargo. Importante para representar um povo que é a maioria em quantidade, mas
minoria na representatividade social. Restituir as humanidades negadas pelo
passado de escravização e racismo é um passo importante para entender a
importância da luta pela valorização do povo negro.”
Com ênfase à mulher negra, de acordo
com a vice-prefeita, que nesses processos foi tratada com ódio e negada a viver
o amor. “O cargo que ocupo hoje pode influenciar meninas negras e outras
mulheres que pensam em conquistar os sonhos. Quero mostrar que é possível.
Quando nos amamos, desejamos viver plenamente. Esse apoio precisa estar
presente nas nossas vidas, precisamos cuidar das relações entre nós. Somos
dignas de amor, e somos capazes de estar em todos os lugares”, concluiu.