O governo Michel Temer (PMDB) publicou anúncios de página inteira
nos jornais de 29 de dezembro com uma propaganda sobre seus feitos nos
120 dias contados desde sua posse efetiva, em 31 de agosto, quando o Senado aprovou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Um site oficial também foi criado para divulgar a propaganda na internet. A reportagem do UOL conferiu
o material e encontrou distorções nos dados econômicos apresentados
pela gestão peemedebista. Esta apuração é parte de uma iniciativa do UOL de checagem de fatos (leia mais detalhes no final desta reportagem).
O anúncio fala em "quatro meses de trabalho intenso" e inclui uma lista
de 40 itens que o governo chama de "algumas de muitas medidas que já se
tornaram realidade". Na relação, aparecem ações, como a redução de
ministérios e o reajuste do valor do Bolsa Família, mas também tópicos
genéricos como "moralização das nomeações nas estatais" e situações que
não dependem exclusivamente do governo, como a variação da cotação do
dólar.
Além disso, há iniciativas controversas e que geraram
críticas e contestações, como a imposição do limite de gastos públicos
por 20 anos, a reforma do ensino médio e a reforma trabalhista, que
ainda não passa de uma proposta.
Confira abaixo o que o governo disse sobre dados econômicos e contas públicas e os fatos que a reportagem do UOL apurou.
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Repatriação de capital: Medida que tornou possível trazer para o país
R$ 46 bilhões em impostos que foram aplicados para o desenvolvimento do
país e repassados para Estados e municípios
CERTO: O governo tem razão ao dizer que trouxe R$ 46 bilhões em impostos ao permitir a repatriação de capitais. O valor é o divulgado pela Receita Federal.
Aprovada por Dilma, a lei da repatriação foi alterada pelo Congresso no
governo Temer. Com a mudança, foi reaberto o prazo para repatriação e
regularização de recursos enviados por brasileiros ao exterior.
- Reforma administrativa: já foram extintos 14.200 funções e cargos comissionados
EXAGERADO: O governo Temer aprovou uma lei
em outubro que converte 10.462 cargos de direção e assessoramento
superior, conhecidos como DAS, em funções comissionadas do Poder
Executivo. "Na medida em que forem extintos os cargos", diz a norma, o
Poder Executivo fica "autorizado a substituí-los, na mesma proporção,
por funções de confiança denominadas Funções Comissionadas do Poder
Executivo - FCPE, privativas de servidores efetivos". Ou seja, a lei
prevê a extinção de cargos, mas também a abertura de funções na mesma
quantidade.
Questionado pela reportagem, o próprio governo
federal, em sua resposta, tratou a medida como conversão, e não como
extinção. "Houve a conversão de 10.462 Cargos de Direção e
Assessoramento Superior (DAS) em Funções Comissionadas do Poder
Executivo (FCPE), que só podem ser ocupadas por servidores públicos
concursados", afirmou em nota enviada ao UOL.
Em seu site, o Ministério do Planejamento informou, em 29 de dezembro,
que até então 7.734 DAS já haviam sido transformados em FCPE, "cerca de
70% do estabelecido na lei". "O percentual restante será transformado à
medida que os órgãos e entidades do Executivo Federal avaliarem novas
oportunidades em suas estruturas", disse a pasta.
No mesmo texto, o Planejamento anunciou uma reforma administrativa que prevê o corte de 4.689 cargos comissionados e funções de confiança,
mas com conclusão prevista para julho de 2017. Na resposta à
reportagem, o governo disse que estes 4.689 cargos e funções foram
extintos.
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Recuperação das grandes empresas estatais brasileiras e valorização de
suas ações, como a Petrobras (114%), Eletrobras (237%), Banco do Brasil
(98%)
EXAGERADO: O governo
sobrevalorizou a alta das ações das empresas. Entre 31 de agosto e 28 de
dezembro de 2016, véspera da divulgação da propaganda do governo Temer,
houve de fato valorização de ações de estatais, mas com uma variação
muito menor que a divulgada.
Na Bovespa (Bolsa de Valores de São
Paulo), a ação Petrobras ON (PETR3.SA) passou de R$ 14,74 para R$
16,98, uma elevação de 15,2%. A ação Petrobras PN (PETR4.SA)
valorizou-se 15%: de R$ 12,85 para R$ 14,78.
Os papéis
Eletrobras ON (ELET3.SA) subiram pouco: somente 0,93%. As ações
Eletrobras PNB (ELET6.SA) caíram 8,35%. No caso do Banco do Brasil,
houve alta nos papéis, mas de 19,3%.
Se o parâmetro for a Bolsa
de Valores de Nova York (EUA), a valorização dos papéis das estatais
brasileiras comercializados por lá também foi inferior à propagandeada
pelo governo brasileiro.
A ação Petrobras DRC (PBR) subiu 13%
entre 31 de agosto e 28 de dezembro de 2016, índice ligeiramente
superior ao do outro papel da estatal comercializado em Nova York,
Petrobras ADR (PBRa), com alta de 12,9%.
Os papéis Eletrobras
PNB (EBR) se mantiveram praticamente estáveis (0,44%), e as ações
Eletrobras ADR (EBRb) caíram 1,6%. As ações do Banco do Brasil em Nova
York (BDORY) se valorizaram 17,6%.
Em nota enviada à reportagem,
o governo disse que "os dados divulgados são resultados de medidas
adotadas pelo governo federal" e admitiu que usou o período de um ano, e
não o de 120 dias, como referência. "Empresas estatais como Petrobras,
Eletrobras e Banco do Brasil se valorizaram na atual gestão, o que
contribuiu para que, no período de um ano, o valor de mercado e as ações
das empresas subissem substancialmente. Isso se verificou com as novas
gestões de empresas a partir das nomeações feitas pelo novo governo e
com as valorizações que o mercado fez a partir da possibilidade de um
novo governo."
- Saldo positivo de US$ 45 bilhões no comércio exterior até a terceira semana de dezembro
ERRADO: A
propaganda refere-se aos 120 dias de governo efetivo, mas o valor
citado pelo governo abrange o período de janeiro até a terceira semana
de dezembro.
De acordo com os dados oficiais do Ministério da
Indústria, Comércio Exterior e Serviços, no último quadrimestre do ano
(setembro a dezembro), período que abrange os quatro meses do governo
definitivo de Temer, o saldo da balança comercial brasileira foi bem mais baixo, de US$ 15,3 bilhões, um valor 20% inferior ao saldo de US$ 19,1 bilhões obtido no segundo quadrimestre (maio a agosto).
Em resposta à reportagem, o governo afirmou que o saldo citado na
propaganda refere-se, de fato, ao ano todo de 2016, mas alegou que
"Michel Temer comandou o país desde 12 de maio", data em que Dilma foi
afastada temporariamente. "Portanto, [Temer governou] na maior parte do
período mencionado", acrescentou a nota.
- Diminuição do Risco Brasil
ERRADO: Em
31 de agosto, quando Temer assumiu efetivamente o governo, o Risco
Brasil, medido pela agência J.P. Morgan, era de 309 pontos, de acordo
com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). No fim de
dezembro, ele atingiu os 325 pontos. Ou seja, estava mais alto.
- Queda do valor do dólar
ERRADO: A
cotação do dólar passou de R$ 3,22 em 31 de agosto para R$ 3,28 em 28
de dezembro. Portanto, o valor da moeda norte-americana subiu no período
de 120 dias.
A respeito dos dois pontos acima, o governo também
alegou que usou como referência o período de um ano. "O mercado reagiu
positivamente à nova gestão, demonstrando confiança nas medidas de
austeridade fiscal adotadas. Indicadores como o Risco Brasil e cotação
do dólar são voláteis, mas no ano a trajetória de queda do Risco Brasil e
a cotação do dólar coincidem com a evolução do processo de impeachment e
efetivação do novo governo", disse a assessoria de Temer.
"A
credibilidade restaurada da moeda e da confiança no país contribuíram
para valorizar o real, a partir da percepção de maior responsabilidade
do governo federal no controle de contas e no ajuste fiscal. Discurso
que sempre foi associado ao novo presidente, desde o lançamento do
documento 'Uma Ponte para o Futuro'. A identificação com esses valores e
a nova equipe econômica alinhada com esses postulados foram
fundamentais para esses números", afirmou em nota.
- Renegociação das dívidas estaduais
EXAGERADO: O governo aprovou uma lei que trata das dívidas estaduais, mas Temer decidiu vetar mudanças feitas pela Câmara.
Segundo o peemedebista, as modificações aprovadas pelos deputados
federais, que retiraram as contrapartidas exigidas dos Estados, tornaram
a medida "mais ou menos inútil". De acordo com ele, o governo terá
negociar com cada Estado para identificar quais contrapartidas cada um
poderá oferecer.
"Puro marketing"
Na avaliação do economista Paulo Feldmann, professor da FEA-USP
(Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), "o
governo não tem nada para comemorar". "Os números da economia são muito
ruins: 60 milhões de brasileiros e 4 milhões de empresas estão
inadimplentes. Isso nunca aconteceu no país."
Para Feldmann, o
governo Temer ainda não combateu o que de fato traria benefício para a
economia e a população: o desemprego. "Não fez até agora absolutamente
nada, e o desemprego está aumentando."
O Brasil encerrou 2016
com cerca de 12 milhões de pessoas desempregadas, segundo pesquisa do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relativa ao
período entre setembro e novembro. Por isso, o economista define a lista
de supostas realizações do governo Temer como "puro marketing".
Ele critica especialmente o fato de o governo incluir a suposta queda
da cotação do dólar como feito, dizendo ser "uma enganação criminosa".
Para ele, o dólar deveria estar cotado, na verdade, num patamar muito
acima, na casa dos R$ 4,5, R$ 5. "O real está sobrevalorizado", diz.
A valorização das ações de empresas estatais, relacionada como reflexo
positivo do novo governo, também é criticada pelo professor. "É outra
medida mentirosa. A valorização das ações não tem nenhuma repercussão
maior que ajuda a economia brasileira."
Soluções e riscos
O que poderia, então, favorecer efetivamente a retomada?
O professor cita duas formas de fazer: aumentar o consumo e elevar o
investimento. "Mas não aconteceu nenhuma das duas, porque não há
crédito."
Para Feldmann, a saída está em o governo obrigar
empresas a renegociarem dívidas de consumidores, alongando prazos dos
débitos, e os bancos voltarem, até de forma compulsória, a conceder mais
empréstimos. "Essa é uma medida que seria fundamental."
O
economista defende uma intervenção rápida do governo, porque o país, em
sua visão, estaria na "iminência de ter uma quebradeira geral". "E isso
seria catastrófico."
Feldmann, entretanto, minimiza a culpa do
governo Temer na situação geral da economia e a debita na conta do
governo da presidente Dilma Rousseff, afastada definitivamente do cargo
em 31 de agosto de 2016, no segundo ano do seu segundo mandato.
"A principal responsável pela crise se chama Dilma. Cometeu erros
gravíssimos principalmente em 2014, quando, para ganhar a eleição,
concedeu desonerações fiscais a múltiplos setores."
O resultado,
segundo ele, foi que a arrecadação desabou, e o país registrou o
primeiro deficit fiscal em mais de 20 anos, sombra que se projeta até os
dias de hoje.
UOL Confere
O UOL Confere é uma iniciativa de checagem de fatos do UOL.
A redação buscará esclarecer em detalhes anúncios de medidas
governamentais, discursos de autoridades e informações relevantes que
apresentem interpretações diversas ou casos em que haja dúvidas sobre a
veracidade de determinados fatos.http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/01/05/uol-confere-governo-temer-distorce-dados-economicos-em-propaganda.htm