Estressado com o trânsito, ele vendeu o veículo e diz se sentir mais 'livre'.
Economia com ônibus permitiu que ele morasse mais perto do trabalho.
O servidor público Joilson Marques, de Brasília, completou mil dias sem
carro e diz que nem pensa em voltar a ter veículo próprio. Ele afirma
que desde que voltou a ser pedestre passou a economizar R$ 2,5 mil por
ano com o deslocamento e que passou a se sentir "mais humano", com uma
percepção melhor da cidade.
"Quando você está no carro, você é uma fera. Você tem que conviver com
pessoas estressadas e você tem uma arma nas suas mãos. Quando você não
tem carro, tem que se adaptar à cidade. Você sente a cidade, você se
adapta ao seu tempo, você passa a fazer coisas mais racionais", diz
Marques, que está com a carteira de habilitação vencida e afirma que não
pretende renovar o documento.
Marques vivia em Vicente Pires quando quis abrir mão no carro. Ele diz
que tomou a decisão depois que passou a fazer terapia para lidar com
estresse. O servidor afirma que parte do problema foi resultado das
horas enfrentadas diariamente para chegar ao trabalho, na área central
de Brasília.
"Eram dois momentos tensos todo dia. Ir para o trabalho e voltar para
casa. Eu não queria mais dirigir. Gastava praticamente uma hora e 40
minutos todos os dias com trânsito. Para Brasília, é muito tenso, porque
a média de deslocamento dentro do Plano Piloto é de 18 minutos para
sair de um lugar para o outro, com carro. Quando você vai para uma
cidade satélite, essa média aumenta para 42 minutos."
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Resistente a encarar a direção, ele decidiu experimentar andar de
transporte público. "Tinha aquele estigma de que ônibus é ruim, de que
não funciona, de que você não sabe que horas passa. Mas para mim
funcionou muito bem. Comecei a usar como escape. Ia lendo no ônibus e
sempre conseguia ir sentado porque qualquer ônibus passava pelo Eixo
Monumental, onde eu trabalhava."
Com dívidas a pagar e satisfeito com o transporte público, Marques
começou a cogitar vender o próprio automóvel. "Estava me sentindo muito
mais livre sem carro", diz. Para tomar uma decisão que também fizesse
sentido economicamente, ele elaborou uma planilha que contemplava
percursos, alternativas de transporte e custo. No documento, ele
registrou os trajetos que fazia diariamente, que somavam mensalmente 44
idas e voltas ao trabalho e uma consulta médica por semana – em um total
de 317 km percorridos por mês.
Com base nesses dados, ele calculou o gasto anual que tinha com carro, somando manutenção, seguro, estacionamento, combustível, depreciação do automóvel e custos extras e chegou à soma de R$ 7,3 mil anuais. Utilizando somente o táxi, o valor subiu para R$ 12 mil. O transporte público, aliado ao serviço de táxi, ficou em R$ 4,8 mil. Foi então que ele chegou à conclusão de que poderia economizar com o deslocamento e viver mais perto do trabalho.
Com base nesses dados, ele calculou o gasto anual que tinha com carro, somando manutenção, seguro, estacionamento, combustível, depreciação do automóvel e custos extras e chegou à soma de R$ 7,3 mil anuais. Utilizando somente o táxi, o valor subiu para R$ 12 mil. O transporte público, aliado ao serviço de táxi, ficou em R$ 4,8 mil. Foi então que ele chegou à conclusão de que poderia economizar com o deslocamento e viver mais perto do trabalho.
"Foi a combinação perfeita quando descobri que poderia, sim, morar
perto do trabalho e não precisar de carro. Foi esse o grande ‘insight’",
diz. "É muito fácil viver no Plano Piloto sem carro. Existe saída. Não
sou um cara rico, que nasceu em berço de ouro. Vim da periferia, ralei
para caramba, não tenho salário extraordinário. Às vezes as pessoas
ficam oprimidas pelo gasto que têm com o carro e nem pensam na
possiblidade de morar perto do trabalho."
Planejamento
Marques diz que viver sem carro requer planejamento disciplinado. "Não é para todo mundo. A minha planilha, para a minha namorada, não resolveu, porque ela não quis mudar a rotina dela, não quis se adaptar. Para o estilo de vida dela, o carro faz parte. Eu tenho amigos que levam filhos de bicicleta para a escola, mas é outra realidade. Também é uma filosofia de vida."
Marques diz que viver sem carro requer planejamento disciplinado. "Não é para todo mundo. A minha planilha, para a minha namorada, não resolveu, porque ela não quis mudar a rotina dela, não quis se adaptar. Para o estilo de vida dela, o carro faz parte. Eu tenho amigos que levam filhos de bicicleta para a escola, mas é outra realidade. Também é uma filosofia de vida."
Ele afirma acreditar que é preciso desconstruir o mito de que o carro é
essencial para a vida na cidade. "Não foi uma coisa que falei: 'Ah,
hoje não quero mais saber de carro. Foi todo um processo que vai na
contramão da cultura do carro. A gente vive essa cultura do carro, que
não vem de hoje. Somos bombardeados com a mensagem de que carro dá
status, liberdade, poder, essas coisas todas."
"Acho que o ônibus funciona muito bem em Brasília para as pessoas que
se planejam muito bem. Diferentemente do carro, você não pode sair cinco
minutos antes [do compromisso] e esperar um ônibus passar. O ônibus tem
horário, grade, padrão. Tem alguns aplicativos que ajudam a entender o
horário do ônibus para se planejar. Os ônibus em geral são muito
pontuais."
"Quando você tem carro, acorda atrasado, você tem certeza que vai tirar
aquele atraso no trânsito, e vira fera. Tem muita gente estressada no
trânsito. Aí chega estressado no trabalho, não tem estacionamento, não
tem vaga, e aquilo é cumulativo e uma hora pode estourar", diz. "No
trânsito, quanto acontece uma gentileza ou uma grosseria, o ato parte de
um objeto, e não de uma pessoa."
Também é preciso estar preparado para as greves. "Isso realmente é um
problema e você precisa mais uma vez estar preparado para contornar
isso. Durante a última greve, passei a vir de bicicleta", diz. "De
qualquer forma, se você pegar um mês de táxi todos os dias, que foi o
período máximo que vi de greve, ainda assim no ano vai ser mais barato
que manter um carro."
(Foto: Joilson Marques/Arquivo pessoal)
Qualidade de vida
Menos preocupado e estressado e gastando menos com deslocamento, Marques diz que a mudança proporcionou outro ganho: ele passou a ter uma nova relação com a cidade e com as pessoas. "Você caminha, conhece o lugar que de carro não conheceria porque passa muito rápido. A pé, você percebe a paisagem, as flores no chão, tem uma percepção da cidade, de aceitação constante. Sou até mais pontual do que quando eu tinha carro."
Menos preocupado e estressado e gastando menos com deslocamento, Marques diz que a mudança proporcionou outro ganho: ele passou a ter uma nova relação com a cidade e com as pessoas. "Você caminha, conhece o lugar que de carro não conheceria porque passa muito rápido. A pé, você percebe a paisagem, as flores no chão, tem uma percepção da cidade, de aceitação constante. Sou até mais pontual do que quando eu tinha carro."
O servidor público fala que passou a interagir mais com quem anda na
rua. "Você pergunta mais para as pessoas onde são os lugares, pesquisa
mais, você tem um mote para conversar, 'será que pode me dar carona?'.
Isso tudo é uma questão de ser mais humano, viver mais na cidade", diz.http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/11/fiquei-mais-humano-diz-brasiliense-que-decidiu-ficar-mil-dias-sem-carro.html