Só 2,4% dos casos geram condenação, diz pesquisa do Fórum de Segurança Pública
Rio - A sensação de impunidade no Brasil,
que cresce e alimenta ondas como as de linchamentos, tem razão de ser.
Pesquisa inédita a que o DIA teve acesso com exclusividade mostra que o
tempo médio entre o acontecimento de um homicídio e seu julgamento chega
a 7,3 anos em cinco capitais do país. Belo Horizonte, com 9,3, lidera o
ranking, à frente de Goiânia (8,3), Recife (7,1), Belém (6,2) e Porto
Alegre (5,6). Os dados, que serão apresentados amanhã no 9º encontro do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que a Justiça tarda — e
falha na hora de transmitir segurança às pessoas.
Ludmila acha que demora gera sensação de impunidade e desejo de fazer Justiça com as próprias mãos
Foto: Reprodução
“Não funciona.
Na cabeça das pessoas, esta demora gera uma sensação de impunidade que
leva muitos a pensar que o melhor é fazer justiça com as próprias mãos”,
diz Ludmila Ribeiro, 36, doutora em Sociologia da Universidade Federal
de Minas Gerais e coordenadora do estudo, em parceria com a PUC-RS e as
universidades federais de Pará, Pernambuco e Goiás. “Há um detalhe
importante. De todos os homicídios que acontecem no Brasil, apenas 8%
chegam aos tribunais. A impunidade é imensa.”
O drama da lentidão da Justiça aumenta
quando se descobre, por exemplo, que destes 8% de casos, apenas 30%
terminam em condenação — 70% são absolvidos ou arquivados. Trocando em
miúdos, é como se a cada 100 homicídios, apenas oito fossem a julgamento
e somente 2,4 terminassem em condenação do réu. “Ao longo do tempo se perdem as peças, os autores morrem e as provas ficam pelo meio do caminho. Precisamos mudar o processo.”
A pesquisa analisa também o outro lado da
moeda, que surge com o mergulho nos casos: o da injustiça com presos
cuja culpa não ficou comprovada. Para Ludmila, que pesquisou 786 casos
sorteados aleatoriamente nestas capitais, em 2013, foi surpreendente o
número de réus pretos, pobres e sem advogado particular para se
defender. “Imagine você ficar preso em Belo Horizonte, por exemplo, por
nove anos, e ser absolvido? Qual o sentimento desta pessoa? E de seus
familiares? Isso faz girar o ciclo de violência.”
A pesquisa foi feita para a Secretaria de
Reforma do Judiciário, do Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça,
do Ministério da Justiça. Rio de Janeiro e São Paulo ficaram de fora
desta rodada, mas em 2009, quando foram pesquisados, levavam 4,19 anos
cada, em média.
Pesquisadora propõe fundir inquérito e processo
Colômbia e Chile. Vem da própria América do Sul
os exemplos de reformas no Judiciário que podem ajudar a diminuir a
sensação de impunidade, gerada pela demora entre a ação e sua sentença.
Para Ludmila, o Brasil precisa unir o inquérito policial ao processo.
Segunda ela, hoje, estes dois procedimentos para se chegar à Justiça
acabam atrapalhando.
“Há vários exemplos, aqui na América do
Sul, de países que resolveram este problema criando o Juizado de
Instrução. Hoje, a polícia reúne provas
para denunciar o autor de um crime, e a Justiça deve checar e produzir
as mesmas provas novamente, quando ela vai a julgamento. Com um único
juizado, vamos cortar de dois a três anos neste tempo de demora.”
A desobstrução da Justiça aconteceu na década
de 90, no Chile, e na década de 2000, na Colômbia — país que já teve uma
das maiores taxas de homicídio do mundo, por conta do combate à
guerrilha, e que vem resolvendo o problema com uma série de medidas,
entre elas a incorporação das favelas à cidade formal. “É preciso
desburocratizar a Justiça.”
Governo fará ‘Pacto contra a Violência’
O 9º encontro começa hoje e vai até
sexta-feira, quando o governo federal irá apresentar o seu ‘Pacto contra
a Violência’, documento com metas a serem alcançadas nos próximos anos.
A medida é antiga reivindicação dos organizadores do Forum Brasileiro,
que insistem que o governo federal tome a frente da luta pela redução
dos homicídios.
“Já temos uma média de 59 homicídios a cada 100
mil pessoas, uma das maiores do mundo. Precisamos encontrar uma solução
e o governo federal fará este chamamento”, diz a socióloga Sílvia
Ramos, do Cesec/Ucam, que comandará uma das dezenas de mesas do
encontro. Com o tema ‘Homicídios de jovens negros’, ela estará na Mesa 5
com Raull Santiago (Alemão) e o Coronel Íbis (PM-RJ).http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2015-07-28/homicidios-levam-mais-de-sete-anos-para-serem-resolvidos.html