De 9 a 13 de junho, a Organização
Internacional da Juventude (OIJ) realizou o II Seminário
Ibero-americano sobre Juventude, Estratégias de Mídias Sociais e Novas
Tecnologias em Montevidéu, no Uruguai. Durante os cinco dias,
representantes das áreas de comunicação dos governos e movimentos
sociais da Guatemala, México, Colômbia, Equador, República Dominicana,
El Salvador, Chile, Uruguai, Espanha e Brasil discutiram estratégias de
comunicação para a juventude e a integração entre esses países.
Análises sobre a conjuntura das políticas públicas de juventude na
América Latina e Ibero-américa, apresentadas pelo sociólogo uruguaio
Ernesto Rodriguez, consultor da OIJ, fomentaram os debates e promoveram
questionamentos entre os participantes. De que maneira integrar países
com vivências distintas e culturas semelhantes? Essa foi uma das
questões colocadas no encontro.
A convite da OIJ, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) participou da
atividade, que aconteceu no Centro de Formação de Cooperação Espanhola
em Montevidéu. Confira abaixo a entrevista exclusiva com o sociólogo,
que fez uma pequena análise sobre a conjuntura das políticas públicas de
juventude nos países Ibero-americanos.
Ernesto Rodriguez em oficina no Centro de Formação de Cooperação Espanhola em Montevidéu.
O uruguaio de 60 anos se
dedica há mais de 30 ao tema juventude. Jovem durante o período da
ditadura militar uruguaia começou a lutar em grupos juvenis pela
restauração da democracia do seu país, maior parte militando em grupos
clandestinos políticos. Quando finalmente se restaurou a democracia, em
meados de 1980, o desafio passou a ser transformar o tema em políticas
públicas afirmativas. Ernesto Rodriguez conta que durante muitos anos os
movimentos de jovens, de mulheres, sindicatos, movimentos estudantis e
de cooperativas, entre outros, lutaram para que houvesse mais
participação social e cidadania. Em meados dos anos 1990, Rodriguez
assumiu o Instituto Nacional de Juventude do Uruguai, marcado por um
governo de coalizão, “onde não foi possível fazer praticamente nada (de
políticas públicas)”, lamentou. Porém, nesse período conseguiu evitar
que algumas ações fossem aprovadas como, por exemplo, a Lei de Segurança
Nacional que criava, entre outras coisas, o que se chamava de ‘brigadas
tutelares juvenis’, que pretendia tirar a autonomia dos jovens. A
partir de então o sociólogo saiu do INJ e do país por um tempo, e
começou a trabalhar com as questões da juventude em toda a América
Latina, realizando consultorias e assessorias aos governos.
SNJ: Qual é, hoje, a realidade dos jovens na América Latina?
Ernesto Rodriguez:
A diversidade é enorme. Temos jovens mulheres e homens, de várias
classes sociais, no meio rural e urbano, de etnias, raças e sexualidades
diversificadas. Se comparar a condição social que vivem os jovens hoje
com 30 anos atrás, está igual ou pior do que antes. Os jovens hoje têm
muito mais acesso à educação, em comparação aos anos anteriores, mas em
compensação, têm muitíssimo menos acesso ao emprego. Hoje eles têm muito
mais acesso à informação, mas participam cada vez menos do acesso ao
poder e estão enfrentando muitas tensões. Isso pode ser verificado ao
longo dos últimos 10 anos. Eu acredito que não é casualidade que
ultimamente as principais erupções sociais e políticas, de
descontentamento e mal-estar sejam protagonizados por jovens. É o que
mais se constata em países altamente industrializados, como Estados
Unidos, e alguns países da Europa, mas estamos vendo isso também no
México e na Colômbia, por exemplo. Hoje, nesses países, os jovens vivem
em piores condições que seus pais quando tinham a mesma idade. Agora, as
condições em que crescem os jovens são muito precárias e por muitas
razões existe uma explicação que vem do campo das políticas públicas.
Por exemplo: apesar dos indicativos das tendências demográficas, em
muitos países, nos dizerem que existem mais jovens do que nunca, que
temos menos crianças que antes e que no futuro isso será mais profundo,
isso significa que passaremos por um desafio e uma luta no próximo
século. No entanto, as políticas públicas seguem muito centradas em
crianças, e isso se nota mais claramente na educação. Criam-se escolas
primárias que estão ficando sem alunos e as escolas secundárias lotam de
alunos e os Ministérios de Educação encontram dificuldades de fazer
ajustes mínimos para atender essa nova realidade. O mesmo se percebe no
campo da saúde, onde as atenções estão mais voltadas para a fase
materno-infantil, sem se adequar às populações de adolescentes, que
demandam muito mais atenção hoje do que alguns anos atrás. E isso pode
ser analisado em vários outros contextos. Eu acredito que este problema é
porque os governos não conseguem encontrar uma fórmula adequada para
reconhecer o valor que têm os jovens, assumindo que estes são mais um
problema do que solução. Percebe-se, então, que o que mais se aplica são
respostas de controle social e punitivas. A maior parte das ações de
segurança nacional nos países Ibero-americanos vai contra os jovens,
sobretudo os pobres. No Brasil contra os jovens negros em particular,
isso é muito perceptível. Em outros países, contra os jovens indígenas,
que estão em batalhas fortes contra os empreendimentos mineiros ou
investimentos nos recursos naturais que ficam dentro de suas terras. Eu
diria que tudo isso é muito significativo porque no fundo mostra que
nesses países, em muitos casos, há algumas respostas mais progressistas
que seguem respondendo com estratégias de contenção social dos jovens e
não com propostas de promoção juvenil. Mas quando relativizamos o peso
de cada uma das políticas, efetivamente as políticas punitivas contra os
jovens são predominantes em todos os países. Percebemos isso na defesa
de se aumentar a inimputabilidade dos menores, nos homicídios que se
cometem contra os jovens, enfim, em indicadores bem claros. Numa lista
das 50 cidades mais violentas do mundo, 42 são latino-americanas.
Existem cidades que são mais violentas que qualquer uma do Oriente
Médio, que está em plena guerra. Em San Pedro Sula, Honduras, que é a
cidade mais violenta do mundo e onde o estado quase não tem presença, se
desenvolvem grupos armados e privados, que tomam medidas drásticas
contra os jovens.
SNJ: Recentemente o Brasil aprovou o Estatuto da Juventude. O que os outros países têm feito em relação às políticas públicas?
Ernesto Rodriguez:
A maior parte dos países ibero-americanos tem uma lei de juventude. Há
dois tipos básicos de leis: uma que é puramente institucional, criando
instituições de juventude, como o México e o Chile, por exemplo. Nos
outros, a maioria segue o modelo da Lei de 1997 da Colômbia. É uma lei
ampla, onde se estabelecem todos os direitos dos jovens, mas não tem
caráter vinculante e não se aplica na prática. São leis puramente
formais, que levaram cinco ou 10 anos para serem aprovadas, envolvendo
gerações de jovens que batalharam por esse tipo de coisa. Há países
como o Uruguai, que não tem uma lei de juventude mas desenvolve muitas
ações para os jovens. Pelo menos nos últimos 30 anos na América Latina
temos nos dedicado a trabalhar na criação de espaços específicos para a
juventude como casas de juventude, parlamento jovem, clubes juvenis e
por aí vai. Minha impressão é de que isso não dá resultado. Em muitos
casos essa estratégia não integra o jovem totalmente porque pode, na
maioria das vezes, ser um mecanismo de controle velado.
SNJ: Existem muitas diferenças culturais entre os países Ibero-americanos e da América Latina. Como superar esses desafios?
Ernesto Rodriguez:
As diferenças culturais são relevantes, porém, tem mais a ver com a
vida cotidiana das pessoas do que com as políticas públicas. Para mim o
que mais pesa é que existe uma grande distância entre jovens e adultos.
Uma clara diferença cultural de como enxergam o mundo, e isso é muito
importante do ponto de vista da política pública. Por exemplo, quando
perguntamos se estamos melhores ou piores que há cinco anos, ou como vai
ser o futuro, os adultos tendem a responder de maneira completamente
diferente dos jovens. Existe, aí, uma questão elementar: sobre qualquer
assunto, um adulto que tem certa experiência acumulada, tem uma
perspectiva de tempo muito mais voltada para as comparações do passado.
Ao contrário, os jovens comparam com o que projetam e o que querem fazer
no futuro. E isso abre uma diferença fundamental. Os jovens normalmente
declaram com muito otimismo que dentro de cinco anos estarão muito
melhor. Acho que isso é muito importante porque determina algo central
para as políticas públicas de juventude. E temos muito a fazer para o
futuro. Nós precisamos empoderar os jovens de todas as partes e também
os adultos que trabalham com os jovens. Se não mudarmos a mentalidade
dos professores do ensino médio, os trabalhadores de saúde e as
polícias, por exemplo, não poderemos fazer políticas públicas efetivas
para a juventude. E trabalhar também com os meios de comunicação, pois
estes, na minha opinião, são inimigos íntimos do tema juventude. Os
meios de comunicação repetem um dia sim e outro também que a maior parte
dos jovens não estuda e nem trabalha e que estão sempre andando por aí.
Isso tem que mudar!