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Sociólogo uruguaio analisa Políticas Públicas de Juventude na América Latina

17.06.2014 - Sociólogo uruguaio analisa Políticas Públicas de Juventude na América Latina


De 9 a 13 de junho, a Organização Internacional da Juventude (OIJ) realizou o II Seminário Ibero-americano sobre Juventude, Estratégias de Mídias Sociais e Novas Tecnologias em Montevidéu, no Uruguai. Durante os cinco dias, representantes das áreas de comunicação dos governos e movimentos sociais da Guatemala, México, Colômbia, Equador, República Dominicana, El Salvador, Chile, Uruguai, Espanha e Brasil discutiram estratégias de comunicação para a juventude e a integração entre esses países. Análises sobre a conjuntura das políticas públicas de juventude na América Latina e Ibero-américa, apresentadas pelo sociólogo uruguaio Ernesto Rodriguez, consultor da OIJ, fomentaram os debates e promoveram questionamentos entre os participantes. De que maneira integrar países com vivências distintas e culturas semelhantes? Essa foi uma das questões colocadas no encontro. A convite da OIJ, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) participou da atividade, que aconteceu no Centro de Formação de Cooperação Espanhola em Montevidéu. Confira abaixo a entrevista exclusiva com o sociólogo, que fez uma pequena análise sobre a conjuntura das políticas públicas de juventude nos países Ibero-americanos.
Ernesto Rodriguez em oficina no Centro de Formação de Cooperação Espanhola em Montevidéu.
O uruguaio de 60 anos se dedica há mais de 30 ao tema juventude. Jovem durante o período da ditadura militar uruguaia começou a lutar em grupos juvenis pela restauração da democracia do seu país, maior parte militando em grupos clandestinos políticos. Quando finalmente se restaurou a democracia, em meados de 1980, o desafio passou a ser transformar o tema em políticas públicas afirmativas. Ernesto Rodriguez conta que durante muitos anos os movimentos de jovens, de mulheres, sindicatos, movimentos estudantis e de cooperativas, entre outros, lutaram para que houvesse mais participação social e cidadania. Em meados dos anos 1990, Rodriguez assumiu o Instituto Nacional de Juventude do Uruguai, marcado por um governo de coalizão, “onde não foi possível fazer praticamente nada (de políticas públicas)”, lamentou. Porém, nesse período conseguiu evitar que algumas ações fossem aprovadas como, por exemplo, a Lei de Segurança Nacional que criava, entre outras coisas, o que se chamava de ‘brigadas tutelares juvenis’, que pretendia tirar a autonomia dos jovens. A partir de então o sociólogo saiu do INJ e do país por um tempo, e começou a trabalhar com as questões da juventude em toda a América Latina, realizando consultorias e assessorias aos governos.
 
SNJ: Qual é, hoje, a realidade dos jovens na América Latina?
Ernesto Rodriguez: A diversidade é enorme. Temos jovens mulheres e homens, de várias classes sociais, no meio rural e urbano, de etnias, raças e sexualidades diversificadas. Se comparar a condição social que vivem os jovens hoje com 30 anos atrás, está igual ou pior do que antes. Os jovens hoje têm muito mais acesso à educação, em comparação aos anos anteriores, mas em compensação, têm muitíssimo menos acesso ao emprego. Hoje eles têm muito mais acesso à informação, mas participam cada vez menos do acesso ao poder e estão enfrentando muitas tensões. Isso pode ser verificado ao longo dos últimos 10 anos. Eu acredito que não é casualidade que ultimamente as principais erupções sociais e políticas, de descontentamento e mal-estar sejam protagonizados por jovens. É o que mais se constata em países altamente industrializados, como Estados Unidos, e alguns países da Europa, mas estamos vendo isso também no México e na Colômbia, por exemplo. Hoje, nesses países, os jovens vivem em piores condições que seus pais quando tinham a mesma idade. Agora, as condições em que crescem os jovens são muito precárias e por muitas razões existe uma explicação que vem do campo das políticas públicas. Por exemplo: apesar dos indicativos das tendências demográficas, em muitos países, nos dizerem que existem mais jovens do que nunca, que temos menos crianças que antes e que no futuro isso será mais profundo, isso significa que passaremos por um desafio e uma luta no próximo século. No entanto, as políticas públicas seguem muito centradas em crianças, e isso se nota mais claramente na educação. Criam-se escolas primárias que estão ficando sem alunos e as escolas secundárias lotam de alunos e os Ministérios de Educação encontram dificuldades de fazer ajustes mínimos para atender essa nova realidade. O mesmo se percebe no campo da saúde, onde as atenções estão mais voltadas para a fase materno-infantil, sem se adequar às populações de adolescentes, que demandam muito mais atenção hoje do que alguns anos atrás.  E isso pode ser analisado em vários outros contextos. Eu acredito que este problema é porque os governos não conseguem encontrar uma fórmula adequada para reconhecer o valor que têm os jovens, assumindo que estes são mais um problema do que solução. Percebe-se, então, que o que mais se aplica são respostas de controle social e punitivas. A maior parte das ações de segurança nacional nos países Ibero-americanos vai contra os jovens, sobretudo os pobres. No Brasil contra os jovens negros em particular, isso é muito perceptível. Em outros países, contra os jovens indígenas, que estão em batalhas fortes contra os empreendimentos mineiros ou investimentos nos recursos naturais que ficam dentro de suas terras. Eu diria que tudo isso é muito significativo porque no fundo mostra que nesses países, em muitos casos, há algumas respostas mais progressistas que seguem respondendo com estratégias de contenção social dos jovens e não com propostas de promoção juvenil. Mas quando relativizamos o peso de cada uma das políticas, efetivamente as políticas punitivas contra os jovens são predominantes em todos os países.  Percebemos isso na defesa de se aumentar a inimputabilidade dos menores, nos homicídios que se cometem contra os jovens, enfim, em indicadores bem claros. Numa lista das 50 cidades mais violentas do mundo, 42 são latino-americanas. Existem cidades que são mais violentas que qualquer uma do Oriente Médio, que está em plena guerra. Em San Pedro Sula,  Honduras, que é a cidade mais violenta do mundo e onde o estado quase não tem presença, se desenvolvem grupos armados e privados, que tomam medidas drásticas contra os jovens.
 
SNJ: Recentemente o Brasil aprovou o Estatuto da Juventude. O que os outros países têm feito em relação às políticas públicas?
Ernesto Rodriguez: A maior parte dos países ibero-americanos tem uma lei de juventude. Há dois tipos básicos de leis: uma que é puramente institucional, criando instituições de juventude, como o México e o Chile, por exemplo. Nos outros, a maioria segue o modelo da Lei de 1997 da Colômbia. É uma lei ampla, onde se estabelecem todos os direitos dos jovens, mas não tem caráter vinculante e não se aplica na prática. São leis puramente formais, que levaram cinco ou 10 anos para serem aprovadas, envolvendo gerações de jovens que batalharam por esse tipo de coisa.  Há países como o Uruguai,  que não tem uma lei de juventude mas desenvolve muitas ações para os jovens. Pelo menos nos últimos 30 anos na América Latina temos nos dedicado a trabalhar na criação de espaços específicos para a juventude como casas de juventude, parlamento jovem, clubes juvenis e por aí vai. Minha impressão é de que isso não dá resultado. Em muitos casos essa estratégia não integra o jovem totalmente porque pode, na maioria das vezes, ser um mecanismo de controle velado.
 
SNJ:  Existem muitas diferenças culturais entre os países Ibero-americanos e da América Latina. Como superar esses desafios?
Ernesto Rodriguez:  As diferenças culturais são relevantes, porém, tem mais a ver com a vida cotidiana das pessoas do que com as políticas públicas. Para mim o que mais pesa é que existe uma grande distância entre jovens e adultos. Uma clara diferença cultural de como enxergam o mundo, e isso é muito importante do ponto de vista da política pública. Por exemplo, quando perguntamos se estamos melhores ou piores que há cinco anos, ou como vai ser o futuro, os adultos tendem a responder de maneira completamente diferente dos jovens. Existe, aí, uma questão elementar: sobre qualquer assunto, um adulto que tem certa experiência acumulada, tem uma perspectiva de tempo muito mais voltada para as comparações do passado. Ao contrário, os jovens comparam com o que projetam e o que querem fazer no futuro. E isso abre uma diferença fundamental. Os jovens normalmente declaram com muito otimismo que dentro de cinco anos estarão muito melhor.  Acho que isso é muito importante porque determina algo central para as políticas públicas de juventude. E temos muito a fazer para o futuro. Nós precisamos empoderar os jovens de todas as partes e também os adultos que trabalham com os jovens. Se não mudarmos a mentalidade dos professores do ensino médio, os trabalhadores de saúde e as polícias, por exemplo, não poderemos fazer políticas públicas efetivas para a juventude. E trabalhar também com os meios de comunicação, pois estes, na minha opinião, são inimigos  íntimos do tema juventude. Os meios de comunicação repetem um dia sim e outro também que a maior parte dos jovens não estuda e nem trabalha e que estão sempre andando por aí. Isso tem que mudar!