Documentos apontam condição insalubre e contaminação de beagles do Royal
USP, Unicamp e Unesp compraram os cães legalmente para testes de odontologia e disfunção erétil, entre outros
Quase três meses depois da invasão do Instituto Royal,
quando ativistas retiraram 178 beagles do laboratório em São Roque,
interior de São Paulo, o Ministério Público se aproxima de ter uma
conclusão sobre as denúncias de maus-tratos contra os animais. O iG
teve acesso a cópias dos relatórios da veterinária e do biólogo que
foram convidados pelo órgão para fazer uma vistoria no local em 2012 e
2013, além de cópias de papéis – a que ativistas tiveram acesso em
outubro – que mostram a contaminação dos cachorros por doenças por causa
das “condições insalubres” em um dos canis.
Foto que consta no relatório de Sérgio Greif mostra beagles sobre as próprias fezes
De acordo com os documentos que constam no
inquérito civil, que segue em segredo de Justiça sob supervisão do
promotor Wilson Velasco Júnior, “o canil estoque” era o setor
problemático dentro do Instituto Royal. O local abrigava os beagles que
já tinham sido desmamados, mas ainda seriam usados em experimentos.
Assinado em 18 de março de 2013 pelo biólogo Sérgio Greif, ativista dos
direitos dos animais, o texto diz que o ambiente tinha condição
“estressante e insalubre”.
Nesse
ambiente, os beagles permaneciam em gaiolas dispostas lado a lado em
salas fechadas, onde o odor de fezes e urina era forte. No relato, o
profissional diz que era possível sentir o cheiro já no "meio externo",
no pátio da recepção do Instituto. "O latido de um indivíduo incita
todos os demais a latir, criando uma condição estressante e insalubre”,
explica o profissional no documento.
“As gaiolas são colocadas a
uma distância do chão, de modo a facilitar a limpeza, no entanto, por
ocasião da inspeção, verificou-se que na sala onde estavam abrigados os
machos o piso das gaiolas já se encontrava sujo de fezes e pisoteado
pelos animais, e seria naquele local que os cães passariam a noite, ou
seja, os cães necessariamente teriam de dormir sobre as próprias fezes”,
afirma o parecer. Também segundo Greif, durante o dia os animais do
“canil estoque” só tinham acesso a uma área de recreação coberta e,
portanto, tinham contato com luz natural por meio de janelas em vez de
“banho de sol”.
Coincidentemente,
os documentos acessados pelos ativistas em 18 de outubro mostram que,
em janeiro de 2013, vários beagles estavam contaminados com giárdia, um
protozoário que ataca o intestino e se espalha para outros animais,
principalmente pelo contato com as fezes. O protozoário também pode
infectar humanos.
As conclusões de Greif confirmam uma situação
que já tinha sido constatada em 2012, quando o Ministério Público
solicitou a ajuda da veterinária Rosângela Ribeiro, gerente de programas
veterinários da WSPA (Sociedade Mundial de Proteção Animal). No parecer
de 14 de agosto de 2012, ao qual o iG teve acesso,
Rosângela também critica o "canil estoque". “(Os cachorros) começavam a
latir muito, demostrando um grande estresse físico e psicológico. Um dos
funcionários me ofereceu um protetor auricular, demostrando que aquele
local tinha problemas constantes com o barulho causado pelo latido e
vocalização crônica dos cães ali albergados. Sendo esse um forte indício
de estresse físico e psicológico e sofrimento”, explica no texto ao
Ministério Público.
Em
julho de 2013, após os relatórios de Rosangela e Greif, o Ministério
propôs que o Instituto Royal assinasse um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) para, entre outros pontos, ser suspenso o uso de gaiolas
no setor estoque. Em setembro, os advogados do Royal aceitaram firmar o
termo e se comprometeram a reformar o local, substituindo as gaiolas por
baias, como acontecia no setor maternidade e experimental.
Doações, vendas e eutanásia
Apesar
de os documentos acessados pelos ativistas não deixarem claro todos os
procedimentos que eram feitos nos beagles, alguns papéis citam que parte
dos animais havia passado por estudo de “lodenafila”, substância usada,
principalmente, para tratamento de disfunção erétil. Os mesmos
documentos mostram que a Royal vendia legalmente alguns beagles para
professores e pesquisadores externos.
A reportagem teve
acesso a contratos de venda que mostram que, entre agosto de 2010 a maio
de 2013, 69 cachorros foram comercializados com acadêmicos ligados a
universidades particulares e públicas, como a Universidade de São Paulo
(USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade
Estadual Paulista. Desse total, 51 foram comprados por pesquisadores da
área de odontologia, 15 por professores ou doutorandos da área de
veterinária e três por um médico que tem como tema de estudo a disfunção
erétil.
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