23.12.2013 - Todas as línguas do portuguêsO idioma é só um. São as pronúncias, culturas e mentalidades dos oito países de língua oficial portuguesa que refletem quatro continentes. O Brasil recebeu a VI Bienal dos Jovens Criadores da CPLP, onde a juventude está para o futuro como as delegações para as políticas externas dos Estados
Confira a matéria publicada na versão impressa do jornal Expresso, de Portugal, por Cristina Peres, sobre a VI Bienal de Jovens Criadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que aconteceu em Salvador (BA) de 3 a 7 de dezembro.
 
Em 1998, Angola estava em guerra e havia apenas seis anos que Moçambique assinara o Acordo Geral de Paz. Timor-Leste, ainda ocupado pela Indonésia, tinha estatuto de observador da CPLP e só viria a constituir-se como país em 2002. A Guiné--Bissau dava início a novo episódio de violência que obrigou mais alguns dos seus cidadãos a procurarem refúgio no estrangeiro (em Cabo Verde, Senegal e Portugal) e São Tomé e Príncipe estava a assinar o acordo para a exploração de hidrocarbonetos. Portugal estava a anos de distância do euro e mais ainda da crise mundial que a moeda única viria ajudar a aprofundar. E o Brasil... não estava. Precisamente em julho daquele ano, Cabo Verde — após uma remodelação governamental que ajudou a atrasar o processo — recebia as delegações nacionais dos países na I Bienal dos Jovens Criadores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) nas cidades da Praia e do Mindelo.
 
A Bienal foi originalmente proposta pela então Secretaria de Estado da Juventude (SEJ) à CPLP durante a I Conferência de Ministros da Juventude da CPLP (Lisboa, julho de 1996). Adotou-se o modelo já experimentado da Bienal dos Jovens Criadores da Europa e Mediterrâneo (lançada em 1998), na qual Portugal já participava havia anos por intermédio da organização do Clube Português de Artes e Ideias (CPAI), em colaboração com a então denominada SEJ e o Instituto Português da Juventude.
 
Organização e tutela mantiveram-se até hoje, os painéis de debate organizados em cada edição foram sempre esgrimindo as questões mais prementes das estruturas organizacionais do país anfitrião e as dúvidas dos jovens participantes relativamente a elas e às suas aspirações pessoais. As edições aconteceram em Cabo Verde (Praia e Mindelo), Portugal (Porto), Moçambique (Maputo), Portugal (Lisboa), Angola (Luanda) e Brasil (Salvador da Bahia), estando previstas as próximas para Moçambique (2015) e Portugal (2017).
 
Tudo deveria indicar que a rodagem destes anos poderia ter tornado a Bienal da CPLP um evento, se não previsível, pelo menos estável. Bom, sim e não. Porque à semelhança das alterações que a Bienal da Europa e do Mediterrâneo foi sofrendo, com a expansão que veio a incluir países do Norte de África e dos Balcãs (cabendo a França e Itália o núcleo duro da organização), a dinâmica da Bienal da CPLP tem evoluído à sua maneira. “Aconteceu” muitas vezes literalmente à última hora, contrariando as perspetivas mais realisticamente pessimistas, e a sua dinâmica tem sido alterada pela medida da estruturação dos Estados que nela participam, dos organismos a quem foi sendo entregue a tutela dos assuntos da juventude (e do desporto) e, consequentemente, das comissões responsáveis pelas escolhas das quais resultam as delegações representantes de cada país.
 
Relembrar o contexto daquela primeira edição permite avaliar como, em 15 anos, as realidades se alteraram para cada um dos oito países de língua oficial portuguesa. A exceção parece ser a Guiné-Bissau, país que não foi convidado a participar na VI edição do evento em Salvador da Bahia porque uma das exigências fundamentais que a CPLP faz aos seus membros é a defesa e a consolidação da democracia.
 
Talvez seja por isso que a redação da Carta da Juventude da CPLP, que acaba de ser assinada na reunião de ministros e secretários de Estado da juventude e do desporto reunidos no Brasil, paralelamente à VI Bienal, faça constar o seguinte no seu preâmbulo: “Os Estados-membros da CPLP afirmam o desenvolvimento económico e social, o combate à pobreza, a integração e recuperação das crianças-soldado, a eliminação do trabalho infantil, a promoção de uma cultura de paz e de tolerância, o combate ao discurso do ódio, o respeito pelos direitos humanos e a prevenção de conflitos como objetivos centrais da cooperação internacional.”
 
Parte da agenda da reunião de políticos que decorreu em Salvador tentou refletir sobre o modus operandi da comissão permanente da CPLP para fazer com que aquele órgão responsável pela organização, em anos alternados, da Bienal de Jovens Criadores e dos Jogos da Lusofonia, exista e faça existir mais acontecimentos e com mais frequente periodicidade. O objetivo era promover “uma execução mais efetiva e plural das decisões” tomadas nas reuniões políticas, com “o fim de aumentar o número de atividades e as ocasiões de troca e intercâmbio” entre os jovens dos oito países, como poderia ler-se numa formulação de comunicado oficial.
 
Na realidade, o que isto quer dizer é que os responsáveis por estas áreas daqueles países já perceberam que se a comunidade só se manifestar uma vez de dois em dois anos em cada uma das áreas, arrisca-se a desaparecer do mapa. Ou a fazer esboroar as vantagens que pode trazer, a cada país à sua maneira, uma reunião improvável de países situados em quatro continentes unidos por uma parte da sua história que lhes legou uma língua comum.
 
É evidente que a defesa de direitos comuns para os jovens dos países da CPLP é de todo o interesse para as políticas externas dos oito Estados, na medida em que elas podem ou devem refletir o trabalho feito a nível interno.
 
O Brasil é um bom exemplo. O país assumiu que o investimento feito pelo Presidente Lula da Silva na diplomacia e nos negócios com países africanos poderia ser reforçado, durante a presidência de Dilma Rousseff, com uma aproximação à CPLP. O Brasil participou pela primeira vez nesta VI edição “não por desinteresse político, mas por impossibilidade de dar prioridade a esta área” até agora, já que a secretaria da Juventude foi criada apenas em 2005 sob o chapéu institucional das valências da presidência.
 
A responsável pela pasta garantiu: “A nossa entrada agora é para valer”. Severine Macedo assegurou ao Expresso que vale a pena respeitar a diferença de cada um dos países desta comunidade. Contudo, sublinhou que todos os Estados deveriam ser firmes relativamente às matérias “que nos unificam”. É o caso da qualidade da educação, da qualidade da saúde dos jovens, em especial das mulheres, coincidindo aqui mais uma vez com a agenda interna do Governo PT (Partido dos Trabalhadores), que criou também uma secretaria para lidar com as questões das mulheres e que tudo tem feito para potencializar a participação política dos jovens.
 
O que nunca mudou nas seis edições da Bienal foi o valor do encontro. Como se o resultado do intercâmbio entre os jovens tivesse vida própria, ele faz de cada evento uma “Bienal da Descoberta”, como alguém chamou à de Cabo Verde. Os jovens têm por privilégio o direito de se preocuparem apenas com o horizonte temporal da sua geração. Talvez alguns dos participantes na primeira edição ocupem hoje cargos de decisão política, já que têm idade para isso. Mas no momento da experiência do primeiro encontro, um brasileiro, um moçambicano ou um são-tomense, tal como um timorense, reagem de forma semelhante. À exceção da Europa, onde há circuitos normalizados para jovens há mais tempo, é desde logo evidente que a circulação de pessoas não é umdado adquirido, seja pela dimensão dos países, pela sua história recente ou distância geográfica. Por isso, o Brasil aproveitou a Bienal para fazer uma primeira mostra nacional de criadores vindos dos 26 estados federados.
 
Isto não quer dizer que as áreas do evento — artes plásticas, fotografia, joalharia, design de equipamentos, moda, música e dança — fossem indiferentes. Significa que reunir comitivas de jovens africanos na cidade com maior número de negros fora de África — que é Salvador da Bahia — serviu outra das bandeiras prioritárias do Governo PT.
 
“A juventude é uma das preocupações centrais no Brasil. Em julho, ela foi para as ruas manifestar a sua inquietude. Há uma juventude vítima de exclusão no nosso país, os afro-descendentes, e há uma violência dirigida contra eles numa sociedade que não se diz racista, mas que pratica o racismo”, disse o ministro da presidência Gilberto Carvalho na abertura da conferência. O ministro apelava a um novo modelo de sociedade que seja capaz de pôr fim ao “genocídio dos negros”: as estatísticas revelam que dois negros são assassinados por hora no estado da Bahia, o equivalente à queda de um avião por semana no qual 75 por cento dos passageiros fossem negros. 
 
Não faltaram bandeiras dos países participantes exibidas e agitadas em cada evento da Bienal, sendo Angola e Moçambique os campeões da afirmação da nacionalidade. Ao fim de uns dias, um jovem brasileiro assumiu que não lhe passara pela cabeça levar uma bandeira na bagagem: “Eu estou no meu país!”. Diferenças de atitude à parte, o que tenha havido para esclarecer foi sempre falado em português. 
 
Fonte: Jornal Expresso (Portugal) – Baixe aqui a versão em PDF da matéria
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(O Expresso viajou a convite do CPAI)