Levado pela
mãe ainda bem pequeno para a cracolândia do Jacarezinho, D., 10 anos,
recebe acompanhamento psicológico da nova família adotiva para tentar se
livrar dos traumas da infância. Na época, passou fome e foi obrigado a
pedir dinheiro nas ruas para sustentar o vício dos pais. Histórias de
vidas sofridas como a dele são cada vez mais comuns nos abrigos
cariocas. No ano passado, 1.362 crianças foram acolhidas em abrigos do
Rio, vítimas de negligência e abandono. Mais de 200 delas tinham pais
viciados em drogas ou álcool.
Filhos do crack ganham um lar
Foto: Divulgação
A epidemia do crack também afeta os
filhos. Cerca de 78% dos jovens abordados pelas equipes da Prefeitura do
Rio declararam já ter usado algum tipo de droga, sendo que um em cada
três alegaram ter experimentado crack. No abrigo municipal Ana Carolina,
em Bonsucesso, 12 dos 13 bebês acolhidos no berçário são “filhos” do
crack. “Como as mães não fazem pré-natal e ficam subnutridas nas ruas,
os bebês nascem prematuros e ficam na UTI. Quando elas recebem alta nem
retornam para buscar os filhos”, conta a diretora do abrigo, Aline
Peçanha Oliveira, que junto com as funcionárias do espaço, se encarrega
de escolher um nome para o recém-nascido e providenciar as primeiras
vacinas. Sem vínculo com os pais, os “órfãos” do crack são imediatamente
encaminhados à adoção.
A droga já é a principal responsável pela perda
da guarda de crianças no município, nos pedidos feitos pelo Ministério
Público. “Um ano na vida de uma criança abrigada é muito tempo. Se não
há chance de reintegração familiar, ela deve ser colocada de imediato em
uma família substituta”, explica a promotora de Justiça da Infância e
Juventude, Daniela Vasconcelos. Antes, porém, é feita uma tentativa de
encontrar parentes que tenham prioridade na guarda das crianças. “Até
localizam a família, mas muitas vezes, a avó já cria outros filhos dessa
mulher. Infelizmente ela reconhece que não tem condições de ficar com
mais uma criança”, diz Aline, que percebeu essa mudança de dois anos
para cá. “Antes recebíamos crianças vítimas de violência doméstica e
maus tratos. Hoje, 90% dos casos tem envolvimento com o crack”, observa.
A maioria dos bebês sofre de doenças transmitidas pela mãe dependente,
como sífilis, Aids e doenças respiratórias. “A sífilis é tratada no
hospital e a criança não fica com sequela. No caso da Aids, a mãe
usuária do crack não toma a medicação que poderia curar o filho”,
lamenta.
Destinos que mudam para melhor
Nas festas do colégio, enquanto os colegas chegam
com seus pais e mães, os irmãos de coração, F., 9 anos, e D., 10 anos,
levam os dois pais adotivos. A vida das crianças mudou há dois anos.
Sem encontrar pretendentes entre casais
brasileiros, eles estavam sendo encaminhados para a adoção
internacional, quando o destino dos menores cruzou com os dos pastores
Marcos Gladstone e Fabio Inacio, líderes da Igreja Cristã Contemporânea,
voltada para fiéis homossexuais.
Casados há quatro anos, pregavam o amor sem
preconceito. Por isso decidiram não fazer nenhuma restrição quanto ao
perfil das crianças abrigadas. “Queríamos um filho. Não importava a cor
ou sexo. Podiam ter aids ou deficiência. O único medo era que mais
velhos pudessem nos rejeitar por causa da nossa orientação sexual”,
contou Fábio Inácio, que passou por todas as etapas da adoção até ser
habilitado, após entrevistas com psicólogos e assistentes sociais.
Para eles, a tarefa mais difícil foi ajudar os
pequenos a superar os traumas da violência. Os pais de D. eram usuários
de crack, e a mãe de F. o deixou na escola e nunca mais voltou. “No
início, vieram cheios de maus costumes. Pegavam dinheiro em casa,
queriam comer desesperadamente, porque achavam que não teriam comida no
outro dia”, conta Fábio, que precisou enfrentar as ameaças de D. “Ele
aprontava e dizia para devolvê-lo, se quisesse. Eu disse que podia
colocar fogo na casa. Mas que era meu filho e nunca seria devolvido”,
diz Fábio. “Hoje são crianças maravilhosas”.
A comerciante Márcia Dias, 43 anos, deu entrada
no pedido de adoção em maio de 2009. Conseguiu a habilitação há um ano.
Na semana passada, às vésperas do Dia das Mães, recebeu a notícia de que
uma menina de quatro meses estava à sua espera. Os pais biológicos
viciados em crack perderam a guarda. “Tenho condição de fazê-la muito
feliz”, disse, agradecida, por esse presente aguardado há quatro anos.http://odia.ig.com.br/noticia/rio/2013-05-13/lar-para-filhos-do-crack.html