Por Isabelle Bruno
Desde sua chegada ao Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa da
França, em 2007, Valérie Pécresse se colocou um desafio: concluir a
reforma neoliberal do ensino superior. “Até 2012 terei consertado os
estragos de maio de 1968”, proclamou no Les Échos de
27 de setembro de 2010. Num balanço final, ela pode se orgulhar de uma
bela vitória: a aprovação da lei relativa às liberdades e
responsabilidades das universidades (LRU), votada em 2007.
O trecho “responsabilidades e competências ampliadas”, considerado
uma libertação das universidades da coação do Estado, fez que elas
começassem a conhecer as “alegrias” da busca de financiamentos próprios.
Bater de porta em porta nas empresas, aumentar as taxas de matrícula,
em resumo, “se vender”: é essa a nova competência adquirida pelas
universidades.
No entanto, o que elas têm para negociar? Os saberes emancipadores
considerados bens comuns não resultam mais em lucro; trata-se agora de
transformar a pesquisa científica em produtos patenteáveis e o ensino em
cursos individualizados e “profissionalizantes” que levem a diplomas
rentáveis.
Empacotadas, mercantilizadas, calibradas para públicos endinheirados,
certificadas por normas ISO, classificadas em listas de “as melhores”,
as universidades tendem a ser concebidas como mercadorias, as mais
prestigiadas como “grifes”; e todas elas já ajustadas à captação de
fundos privados.
Os estudantes (e suas famílias) são dessa forma seduzidos por
panfletos, eventos, encartes publicitários, guias e tabelas
comparativas, incitados a decidir por meio dessa orientação, como se
fizessem uma escolha de investimento. Nessa óptica, financiar os estudos
é investir para ser um capital negociável no mercado de trabalho. A
partir da exortação à “transparência” e à “mobilidade” do ensino
superior em um espaço europeu – e até mesmo mundial – é que os
estudantes-clientes, empreendedores de sua existência, são convidados a
investir para se constituir como mercadoria.
Na França, os estudantes não bolsistas que entram na universidade
pública pagam taxas de matrícula que têm seu montante fixado a cada ano
por portaria ministerial (177 euros para bacharelado, 245 para mestrado e
372 para doutorado em 2011-2012), às quais se soma a contribuição para a
previdência social (203 euros). Para a grande maioria desses
estudantes, as despesas com matrícula totalizam de 380 a 575 euros.
No setor privado, pelo contrário, os estabelecimentos são livres para
determinar seus preços e, nestes últimos anos, se aproveitaram muito
dessa margem de manobra. Alegando a necessidade de fortalecimento
perante a “competição internacional” e o “retorno do investimento”
prometido aos diplomados, as escolas de comércio (business schools)não
hesitaram em dobrar seus preços (cinco delas ultrapassaram a barreira
dos 10 mil euros por ano) e arrastaram as escolas de engenharia por seu
rastro inflacionista.
Algumas universidades públicas não ficaram para trás. Compelidas a
provar sua “excelência” e “competitividade” e sendo forçadas a gerir a
escassez dos recursos concedidos pelos poderes públicos, elas apostaram
na possibilidade que lhes foi oferecida de receber “taxas
complementares” para se distinguir por meio de tarifas mais elevadas,
conferindo-se uma singularidade presumivelmente valorizada no “mercado
dos conhecimentos”.
Essa escalada dos preços se baseia em dois tipos de justificativa: a
comparação internacional e a crise financeira. “Os Estados Unidos são
modelo para nós? Pois então, a qualidade tem um preço”, afirmam alguns.
As famosas universidades da Ivy League custam
quase US$ 60 mil por ano, ou seja, em média três vezes mais do que as
instituições públicas, cujos custos, entretanto, dobraram em trinta
anos.
“Sem atravessar o Atlântico, veja o que acontece cruzando o Canal da
Mancha!”, dizem outros. No quadro do programa de redução dos déficits
orçamentários, a coligação liberal-conservadora britânica aumentou
substancialmente o limite das taxas autorizadas para compensar a baixa
das subvenções públicas. De 3 mil libras, elas passaram para 6 mil e até
mesmo para 9 mil “em circunstâncias especiais”.
O mesmo ocorre na Espanha, que em abril deste ano autorizou as
comunidades autônomas a aumentar as taxas de matrícula. A “contribuição
dos estudantes para o financiamento de seus estudos” passou de 15% para
25%. Quanto ao Québec, a Primavera do Bordo (Printemps Érable,
mobilização que em fevereiro deste ano colocou 170 mil estudantes nas
ruas para denunciar o aumento das tarifas) enfrentou uma alta projetada
pelo governo de Jean Charest que atingiria 75% em cinco anos.
Com a magnitude que apresenta, o encarecimento do acesso ao ensino
superior observado atualmente não poderia ser explicado por simples
fatores econômicos ou miméticos. Se ele atinge um número crescente de
países é porque um trabalho de fundo foi empreendido por poderosos
agentes ao longo dos três últimos decênios. A maior parte dos
“prestadores de serviços [educativos]” não é, ainda hoje, livre para
determinar seus preços, o que, aos olhos daqueles que promovem o
“mercado do conhecimento”, constitui uma aberração.
Após a virada neoliberal dos anos 1980, e de maneira intensiva com a
crise financeira atual, considerada justificativa para a precarização
dos serviços públicos e a “diversificação das fontes de financiamento” –
isto é, sua privatização –, a ideia de eliminar a regulação das tarifas
universitárias foi se consolidando. Numerosos relatórios recentes,
provenientes tanto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), da Comissão Europeia e da Conferência de Reitores Universitários como de entidades nacionais ou de think tanks, contribuíram para valorizar a questão das anuidades e abrir a possibilidade de seu aumento.
DEBATES TEMPESTUOSOS
Para os que consideram que as manifestações de oposição ao aumento
das anuidades trazem um tom de conservadorismo francês, as mobilizações
que ocorrem do Chile ao Québec, passando pela Finlândia até a Áustria, mostram
que os debates sobre o custo do ensino superior estão presentes na
maioria dos países-membros da OCDE. Grande parte aumentou recentemente
os custos de escolaridade; outros, como diversos Länderalemães,
instauraram esses custos em oposição a uma tradição de gratuidade;
alguns, como Dinamarca ou Irlanda, distorceram o princípio e passaram a
cobrar dos estudantes estrangeiros. Em seu “Panorama 2011” das
estatísticas sobre a educação, a OCDE verifica que apenas oito países mantiveram
a gratuidade nos estabelecimentos públicos para seus alunos, enquanto
em mais de um terço as despesas anuais ultrapassaram o limite de US$ 1,5
mil.
A França figura em uma categoria intermediária: as taxas de matrícula
permanecem pouco elevadas, mas o sistema de bolsas e de ajuda
financeira quase não se desenvolveu. Com isso, a opção de cobrar dos
estudantes foi por muito tempo deixada na gaveta. É esse tabu que uma
fundação “progressista” como Terra Nova, próxima
do Partido Socialista, se propõe a romper: “A quase gratuidade dos
estudos superiores – incluindo as aulas preparatórias – é fonte de
fortes desigualdades e priva as universidades de recursos úteis para uma
melhor formação dos estudantes”.
Se os estudos devem ser pagos, é por uma dupla preocupação com
eficiência econômica e justiça social: tal é o argumento insistentemente
reiterado pelos partidários do aumento das taxas de matrícula, que
compensaria a concessão de bolsas e de empréstimos educativos. Essa
individualização do custo dos estudos e dos auxílios concedidos negam à
educação sua dimensão coletiva. Os estudantes não são mais cidadãos, mas
usuários de um serviço pelo qual, cedo ou tarde, deverão pagar.
ATITUDE UTILITARISTA
Para além da instrumentalização das desigualdades sociais, os
defensores do aumento se baseiam em uma “ideia-força”: a “valorização”
dos estudos que ele acarreta. “Pagar os estudos” responsabilizará o
estudante, que, consciente de seu valor monetário, será mais
comprometido e menos propenso às faltas. Um círculo virtuoso seria assim
iniciado: as universidades sendo impulsionadas por “clientes” mais
sérios e exigentes, que demandam a melhora constante da qualidade dos
serviços prestados.
Essa relação comercial dos estudantes com a instituição universitária
corre o risco de difundir uma atitude utilitarista relativa aos saberes
ensinados. Já que o pagamento dos estudos pela via do endividamento
será equiparado a um investimento, submetido a um imperativo de
rentabilidade, o conformismo levará vantagem sobre o prazer de aprender.
Obrigados a ser estratégicos e materialistas para poder pagar seus
empréstimos, os estudantes ficarão mais preocupados com a conversão
rápida de seus investimentos. Essa tendência já pode ser observada no
Reino Unido, onde os professores da famosa London School of Economics
(LSE) estão perdendo as esperanças de insuflar um espírito crítico em
uma geração obcecada por poder e dinheiro.
Ficamos então tentados a minimizar a dimensão do problema do aumento
das taxas nas universidades, circunscrevendo-o à “juventude dourada”:
afinal, depois de tudo, não é justo “cobrar dos ricos”? Isso seria
subtrair ao debate democrático uma questão social tão fundamental quanto
aquela, por exemplo, da aposentadoria. Com a alternativa entre uma
“educação por capitalização” e uma “educação por
repartição”, prolonga-se a luta por uma solidariedade intergerações que
garanta a partilha dos saberes como riquezas coletivas.
Isabelle Bruno é professora pesquisadora de Ciência Política da Universidade Lille 2/ Ceraps na Françahttp://www.une.org.br/2012/10/opiniao-por-que-o-preco-das-universidades-dispara-em-todo-o-mundo-por-isabelle-bruno/