Aqui só trabalham evangélicos”; “Todos os funcionários
são casados”; “Temos apenas um homossexual no quadro de funcionários”,
foram algumas das justificativas usadas por 85,5% das empresas que vetam
programas de prevenção à aids
no Brasil, conforme mostrou pesquisa inédita feita pelo governo federal.
Os dados foram colhidos pelo Ministério da Saúde com 2.440 empresas de
pequeno e médio porte de todas as regiões do País. As informações ainda
são parciais e foram divulgadas durante o Congresso Brasileiro de
Prevenção as DSTs e Aids, realizado em São Paulo na última semana.
O preconceito e falta de informação no ambiente
coorporativo acenderam o alerta vermelho para os especialistas, já que a
aids não tem cura e mata 33 pessoas por dia no País
.
O contágio não tem nenhuma relação com religião,
orientação sexual ou estado civil. Para ser vulnerável, reforçam as
pesquisas, basta ter relações sexuais sem camisinha. Na faixa-etária maior de 60 anos, por exemplo, 80% das mulheres infectadas são casadas
. Entre as pessoas de 18 e 45 anos, 56% são heterossexuais.
“O cenário que encontramos nas empresas está martelando
em nossa cabeça. Ainda precisamos aprofundar os estudos, mas já
identificamos que as estratégias de prevenção ao vírus HIV estão
distante dos trabalhadores”, lamentou Neusa Burbarelli, presidenta do
Conselho Empresarial Nacional para a Prevenção ao HIV/Aids. A entidade
reúne 17 empresas de variados setores do Brasil e atua em parceria com o
governo federal para levar a prevenção da doença ao ambiente de
trabalho.
Isso porque 90% dos soropositivos do Brasil estão em
idade produtiva, entre 18 e 45 anos, o que fez a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) lançar diretrizes para que os
empregadores adotassem medidas preventivas. As normas fazem parte,
inclusive, das leis trabalhistas. O estatuto que exige a implantação da
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cisa) pelas empresas prevê
que, ao menos uma vez ao ano, sejam realizadas campanhas internas de
prevenção à aids.
Resistência
Os dados da nova pesquisa mostram realidade diferente da
previstaem lei. Apesar de 68% dos entrevistados terem afirmado
considerar que as doenças sexualmente transmissíveis e a aids devem ser
discutidas no local de trabalho, apenas 14,5% realizam ações e programas
sobre essas doenças.
Os motivos para a resistência das empresas ainda não
foram completamente elucidados pelo Programa Nacional de DST/Aids e
Hepatites Virais. Além das frases preconceituosas citadas por parte dos
empresários, Lucimar Marques, coordenadora da ONG Anima – que tem como
objetivo organizar programas preventivos de aids para ambientes
coorporativos – traz outros motivos para o assunto ficar de fora do
âmbito do emprego.
“Muitas empresas não estão dispostas e nem querem
associar seus nomes à causa da aids. Há resistência também. Ainda parece
tabu elas aceitarem disponibilizar camisinhas aos trabalhadores em
espaços sociais, como os banheiros por exemplo”, pontua Lucimar.
“Os empresários, em geral, não aceitam destinar uma hora
por ano para falar do assunto, pois acreditam que tal medida compromete a
produção”, completa ela.
Joddal Simon casou com uma soropostiva e criou uma
ONG para levar a prevenção para dentro das empresas e acabar com o
preconceito
Na avaliação do diretor do Departamento de
DST/Aids e Hepatites Virais, Ruy Burgos, tal comportamento por parte das
empresas compromete o controle da epidemia.
“Primeiro porque os avanços da medicina
aumentaram a sobrevivência dos soropositivos. Se eles não tiverem
acolhimento no ambiente de trabalho, acabam impedidos de serem
produtivos nos anos de vida que conquistaram”, afirma.
“Um outro fator é que hoje 250 mil pessoas no
País são portadoras do vírus HIV e não sabem disso. Se as empresas
abrissem suas portas para realizar os testes de aids, por exemplo,
poderíamos mudar deste quadro e controlar a transmissão e o surgimento
de novos casos.”
A experiência de Joddal Simon mostra que é
possível mesmo aproximar os trabalhadores dos cuidados preventivos e
também do tratamento quando as corporações abrem as portas para as
estratégias antiaids.
“Há 16 anos casei com uma mulher e desde sempre sabia que
ela portadora do vírus HIV. Na época, eu trabalhava como barman e
sofria junto com ela o preconceito para conseguir emprego e falar sobre a
saúde com os patrões”, lembra.
Veja a história
: "Deixei o Japão para tratar aids no Brasil"
Simon então teve uma ideia. Montou a ONG Gapp+ no Pará
que trabalha com o seguinte propósito: convida trabalhadores que se
assumem soropositivos ou convivem de alguma forma com o HIV (como era o
caso dele) para darem palestras em empresas do mesmo ramo de suas
carreiras.
“As palestras são rápidas, de 15 minutos, focadas na
prevenção, no acolhimento dos soropositivos e de uma forma direcionada
para aquela área. Eu mesmo já fiz 1.200 palestras em bares, restaurantes
e empresas enormes de todo Brasil.”
Outra iniciativa da Gapp+ foi levar os testes detectores
de HIV para indústrias, mineradoras, empresas do ramo de transporte,
entre outras.
“Na Serra Pelada tivemos uma experiência bem importante.
Dos 71 trabalhadores que foram fazer o teste, 59 tiveram o resultado
positivo. Puderam então começar o tratamento que pode salvar a vida
deles. Quem demora para procurar ajuda, tem as chances diminuídas.”http://saude.ig.com.br/minhasaude/2012-09-03/prevencao-da-aids-e-vetada-por-855-das-empresas-brasileiras.html