Natural do interior do Ceará, professora vai defender tese em julho, apresentará tese sobre discriminação nas escolas.
Luma ganhou direito de alterar o nome João nos documentos em 2010.
Luma ganhou direito de alterar o nome João nos documentos em 2010.
Mesmo na infância em Morada Nova, a 163
km de Fortaleza, a discriminação não foi barreira para a cearense Luma
Nogueira de Andrade, que nasceu com o nome de João. Filha de
agricultores analfabetos, ela resolveu abrir caminhos e enfrentar a
pobreza e o preconceito com o conhecimento. Aos 35 anos, Luma será em
julho a primeira travesti a apresentar uma tese de doutorado no Brasil.
“Canalizei toda a energia para os estudos e, assim, fui conquistando
respeito de todos. Busquei no estudo uma alternativa de vida melhor”,
diz.
A doutoranda em Educação pela
Universidade Federal do Ceará (UFC) estuda a realidade de travestis nas
escolas. Nas páginas da tese, ao relatar casos de estudantes que vivem
situações de aceitação ou total repressão, Luma faz um paralelo com a
própria história.
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A cearense conta que, nas primeiras
séries escolares em Morada Nova, chegou a ser agredida por outros alunos
por “ser diferente e sempre preferir brincar com as meninas”. “Uma vez,
quando cheguei na sala de aula chorando, ouvi da professora: 'Bem
feito. Quem mandou você ser assim?' ”, recorda. O menino João não se
sentia bem para ir ao banheiro masculino e não podia frequentar o
feminino. “Sentia dores abdominais porque preferia não ir ao banheiro.
Muitas vezes, saia correndo para casa quando terminava a aula para
urinar”, conta.
Superação
Em vez de desistir de assumir quem era
ou se rebelar, Luma repetia para si mesma: “Eu vou superar isso”. E,
assim, foi vencendo o preconceito dos alunos e professores, sendo sempre
o destaque da turma. “A estratégia era eu ser a melhor aluna. Eu fazia
um acordo, eu ajudava, dava aulas particulares e eles me aceitavam”,
diz. Aos 18 anos, quando passou no vestibular na primeira tentativa para
o curso de Ciências da Universidade Estadual do Ceará (Ceará), no
campus de Limoeiro do Norte, os olhares de reprovação por se vestir com
roupas femininas e estar maquiada não diminuíram. “Eu me enganei. Na
faculdade, eu sofri tanto quanto na educação básica”.
"Por entender as dificuldades de
ser diferente, eu me identificava muito e me aproximava dos alunos.
Muitos deles, de alguma forma, se viam diferentes".
De cabelos compridos, mas ainda
assinando como João, Luma voltou para a sala de aula. Dessa vez, como
professora de Ciências da Natureza. “No primeiro dia, os diretores da
escola ficaram atrás da porta para observar como eu dava aula”, lembra.
Ao contrário do que pensavam, a professora era uma das mais queridas e
reconhecidas pelo ensino. “Por entender as dificuldades de ser
diferente, eu me identificava muito e me aproximava dos alunos. Muitos
deles, de alguma forma, se viam diferentes”, conta.
Com o título de mestre, em 2003, ela
prestou concurso para a rede estadual de ensino de Aracati e, de quatro
vagas, foi a primeira e única aprovada. Na hora de ser lotada, os
diretores disseram que não havia vagas e Luma teve de pedir a
intervenção da Secretaria de Educação do Estado (Seduc) para assumir o
cargo. Em Aracati, Luma passou a dar palestras e aulas de cursinho
pré-vestibular e desenvolveu, em 2005, o projeto “Intimamente Mulher”
que incentivava alunas e professoras a fazer exames de prevenção. A
iniciativa ganhou o primeiro lugar no Estado e Luma recebeu o prêmio no
Ministério da Educação.
Mesmo com reconhecimentos e títulos, a
educadora continuava encontrando discriminação. Ao colocar próteses de
silicone nos seios, a travesti conta que foi enviada uma denúncia à
Secretaria de Educação. “Eles diziam que estava mostrando os seios para
os alunos, mas provei que não era verdade. Ia até com uma bata para não
chamar atenção”. Em 2007, passou em uma seleção e mudou-se para Russas
para ser supervisora de 26 escolas estaduais em 13 municípios do Ceará.
No cargo, a travesti pode acompanhar e ajudar mais de perto as histórias
de outras “Lumas” agredidas na escola ou em casa. “Eu via nelas eu
mesma. Toda a dificuldade que passei”.
Mudança de nome
Aos 33 anos, Luma ainda tinha nos documentos o nome de João Filho Nogueira de Andrade. No dia da mulher de 2010, ganhou o presente de ser a primeira travesti a ter o direito de mudar os documentos sem a operação de mudança de sexo no Ceará. As histórias de vitórias e de superações que já chamaram atenção de cineasta e políticos não vão parar. Luma não se cansa de seguir e abrir os caminhos em defesa da diversidade humana. “Quero combater todo o preconceito. Cada passo que eu dou, cada degrau que eu subo, sei que estou contribuindo para mudar pessoas e não posso deixar de buscar novos espaços. A própria travesti pensa que não existe outro caminho sem ser a prostituição”, afirma.
Aos 33 anos, Luma ainda tinha nos documentos o nome de João Filho Nogueira de Andrade. No dia da mulher de 2010, ganhou o presente de ser a primeira travesti a ter o direito de mudar os documentos sem a operação de mudança de sexo no Ceará. As histórias de vitórias e de superações que já chamaram atenção de cineasta e políticos não vão parar. Luma não se cansa de seguir e abrir os caminhos em defesa da diversidade humana. “Quero combater todo o preconceito. Cada passo que eu dou, cada degrau que eu subo, sei que estou contribuindo para mudar pessoas e não posso deixar de buscar novos espaços. A própria travesti pensa que não existe outro caminho sem ser a prostituição”, afirma.
Fonte: G1