Nas duas últimas semanas temos ouvido muito sobre o projeto de lei do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que procura criminalizar “jogos ofensivos”. O PL recentemente teve sua força diminuída, devido a perda do apoio do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que retirou seu voto de aprovação.
Apesar disso, e dos vários passos pelos quais o projeto deverá passar – aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aprovação no Plenário, revisão na Câmara dos Deputados
para então, se não houver necessidade de emendas, entrar em vigor –, há
uma possibilidade de que futuramente os jogos de que gostamos sejam
vistos como ofensivos e tenham sua venda proibida.
Isto é, se nenhum juiz determinar a inconstitucionalidade da lei e anulá-la.
Quem explica isso é o advogado Alexandre Rodrigues Castilho,
25, cujo TCC foi justamente sobre a “(In)validade da Proibição dos
Videogames no Brasil”. “Nesse estudo, procurei acatar fundamentalmente
as decisões judiciais que à época vinham proibindo o comércio de
determinados títulos no cenário nacional”, disse Castilho. Em
específico, ele se refere à ocorrências como a proibição de Counter-Strike e Everquest,
que ocorreram no país há pouco menos de quatro anos. “Para isso,
busquei trazer a natureza da propriedade intelectual dos games, a
proteção que ele recebe em cenário internacional, o conteúdo
preconceituoso de algumas sentenças e a sua fragilidade técnica ao
proibir os games.”
Em linhas gerais, o argumento de Castilho é o de que videogames, por serem uma propriedade intelectual, são protegidos pela Organização Mundial do Comércio, da qual o Brasil é signatário.
Por conta disso, a proibição que o senador Valdir Raupp quer impor
com seu projeto de lei pode ser determinada como inconstitucional por
qualquer juiz ciente disso. No entanto, a lei precisa ser primeiramente
aprovada, e só então poderá ser anulada.
Mas nisso encontramos um problema. Apesar de serem vistos
mundialmente dessa forma – como propriedade intelectual - por
organizações, há uma indecisão por parte do governo brasileiro em
caracterizar videogames como o resto do mundo. “Infelizmente, no Brasil,
de maneira errônea, os games não são encarados como produto integrante
do gênero propriedade intelectual, apesar do nosso País ser um
estado-membro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).”
Para a OMPI, propriedades intelectuais são invenções, obras
literárias e artísticas, símbolos, nomes, imagens, desenhos e modelos
utilizados pelo comércio. Propriedades intelectuais são ainda divididas
em duas áreas, a Propriedade Industrial e o Direito Autoral. É neste último que estão os softwares de computador, dentro do qual estão os jogos eletrônicos.
“O vídeogame hoje é considerado direito autoral na indústria cultural de
forma equivalente às produções relacionadas a cinema, música,
televisão, publicidade e até mesmo moda. Ou seja, em nada podem ser
diferenciados de livros, filmes, programas de TV e outras formas de
entretenimento que recebem a mesma espécie de proteção.”
Diante disso, por que há relutância em classificar os jogos como
propriedade intelectual? “Particularmente, acredito que o poder estatal
não percebe os games como propriedade intelectual por puro preconceito e
ignorância”, diz Castilho. “Essa visão retrógrada em relação aos games
não se restringe apenas ao Legislativo, como está sendo mostrado com o projeto de Lei n. 170/2006, de autoria do Senador Valdir Raupp.”
Castilho vê um exemplo claro disso na citada proibição de
Counter-Strike e Everquest (Counter-Strike acabou voltando serpermitido
em nosso país, graças a uma intervenção da EA).
Levando em conta esse desconhecimento sobre o assunto e essa
incerteza em chamar jogos no Brasil de propriedade intelectual, o PL
170/06 pode ser bloqueada por um juiz que entenda de acordos de proteção
internacional? “Em tese, sim.”
“Digo ‘em tese’ em razão do aparente desconhecimento deste universo
por grande parte dos magistrados. Como a Constituição Federal reconhece
na legislação interna a força dos tratados internacionais aos quais o
Brasil tenha manifestado adesão (art. 5º, LXXVIII), o juiz pode
entender, em um caso concreto, que tal lei fere os tratados
internacionais e, consequentemente, a Constituição, determinando a não
aplicação da Lei já em vigor em determinada decisão.”
“Mas essa decisão não teria efeito a todos (os casos), uma vez que
esse controle de constitucionalidade teria sido feito só em um caso
isolado. Para se atacar a Lei em si e declará-la inconstitucional, seria
necessária a abertura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.”
Todas essas medidas, no entanto, só poderão ser colocadas em prática no
caso da aprovação da lei. “ E mais, no caso da OMC, este acordo deve ser
aplicado internamente sem qualquer reserva de interpretação. O conceito
de propriedade intelectual, inclusive, já está implícito como o modelo a
ser usado pelos países signatários.”
Isso não significa que a OMC, percebendo uma lei que vai contra o
acordo, irá interferir diretamente para que a decisão seja anulada. “O
sistema de sanções da OMC deixa muito a desejar e permite que o país
derrotado em uma disputa mantenha uma decisão tida como ilegal pela
OMC.”
Portanto, mesmo que vá contra acordos assinados pelo Brasil, caso o
assunto não seja levado a um juiz que entenda o tema, ela poderá
permanecer em vigor. Para Castilho, a solução para que isso não ocorra é
clara: “Eu só consigo visualizar uma mudança na concepção dos
parlamentares e magistrados com a participativa fiscalização da
comunidade acadêmica e, mais importante, da população.”FonteIG