Investimentos em tecnologia e auditorias foram apontados por palestrantes de webinar da FCCE como mecanismos para coibir fraudes

A importância de se aprimorar a fiscalização do uso de benefícios fiscais esteve no centro dos debates do seminário promovido pela Federação das Câmaras de Comércio Exterior (FCCE) sobre o uso desse instrumento e a retomada da economia fluminense, realizado na tarde de ontem. De acordo com o diretor e co-fundador do Grupo de Debates Tributários (GDT), Daniel Gudiño, o Estado do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que concede o benefício para que empresas se instalem ou ampliem os seus parques industriais, tem o dever de garantir que as beneficiárias de boa-fé não sejam prejudicadas por "aventureiros" que se aproveitam da inoperância do estado para malversar o benefício e ficarem impunes. "Se há falta de moralidade da parte de quem está usufruindo os benefícios fiscais, essa prática tem que ser coibida e penalizada, pois é crime contra a ordem tributária", afirmou Gudiño, lembrando que a não correção do problema afugenta as empresas sérias e gera desigualdade competitiva.

"É preciso moralizar a política pública, que é motorizada por benefícios fiscais. Temos que adotar novos mecanismos de fiscalização; aprimorar as ferramentas, como o portal de verificação de benefícios; ou criar auditorias de fiscalização especializadas para empresas que gozam de benefício fiscal", sugeriu Gudiño. Ele destacou que principalmente aqueles benefícios que exigem contrapartida devem ser alvo de um monitoramento mais firme, dada a obrigatoriedade de gerar melhorias sociais. "Deve-se fiscalizar com rigor para que quem descumpre os requisitos e não dá as contrapartidas assumidas se sinta inibido a cometer fraudes e tenha o benefício cassado", enfatizou Gudiño.

O vice-presidente jurídico da FCCE, Leandro Schuch, ressaltou que para coibir a sonegação e aumentar a arrecadação de impostos são fundamentais os investimentos em tecnologias que modernizem os mecanismos de fiscalização. "Seria oportuno ainda revisar as legislações mais recentes que instituíram benefícios fiscais por terem requisitos de concessão muito abertos. Seria adequado torná-los mais palpáveis e tangíveis", recomendou.

A presidente do GDT, Catarina Borzino, também chamou atenção para o fato de que o benefício fiscal deve ser envolto por regras claras e objetivas que dêem segurança ao contribuinte, com mecanismos de ajuste para o cumprimento dos requisitos necessários à fruição dos benefícios. "Cada vez mais, sente-se a necessidade de ter um bom canal de comunicação entre o fisco e o contribuinte, visando esclarecer dúvidas, viabilizar correções e sanar descumprimentos. Isso ajuda a valorizar o contribuinte de boa-fé", completou Borzino.

A assessora do governo do estado do Rio de Janeiro, Priscila Sakalem, afirmou que a digitalização, o uso de novas ferramentas de informática e a governança por meio do cruzamento de dados podem dar agilidade à fiscalização. Segundo ela, o processo ainda é muito manual, o que dificulta o acompanhamento mais efetivo do uso correto dos benefícios pelas empresas.

A viabilidade da concessão de benefícios fiscais em momentos de queda na receita e a sua eficácia na geração de crescimento econômico também foram amplamente debatidas. O ex-secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro Renato Villela lembrou que vários países do mundo usam benefício fiscal, mas em nenhum existe uma polêmica tão forte quanto no Brasil. Ele explicou que o problema no Brasil em relação ao ICMS se dá em função da partilha do tributo que incide sobre o produto (parte fica no estado de origem, parte no estado de destino). "O estado que concede o benefício gera um ônus para o estado que vai receber a mercadoria, o que não está correto, por que afeta a política tributária de outro ente, mas isso decorre da forma como o nosso sistema tributário brasileiro está estruturado. O problema vai perdurar enquanto não houver uma reforma tributária."

Villela ressaltou que o que atrai e mantém uma empresa em um determinado território é a infraestrutura que esse local oferece. "Como fator locacional, o benefício fiscal não é tão importante. É muito difícil para o Rio de Janeiro que faz fronteira com São Paulo, que tem a melhor rede de rodovias do Brasil e uma boa infraestrutura portuária competir no fator locacional", ressaltou. E acrescentou: "Vale a pena abrir mão de receita se essa medida não vai fixar empresas no nosso território, estando o Rio em uma situação fiscal muito grave? Não tenho resposta para isso", frisou o ex-secretário.

Na visão de Sakalem, a concessão de benefícios fiscais é fundamental para o desenvolvimento do Estado do Rio. Ela exemplificou que uma grande multinacional, quando vai tomar uma decisão de investimento, pensa globalmente, por isso é preciso ficar atento na forma como o mundo está trabalhando. "Mas sem governança dos gastos tributários, sem testagem da sua eficácia não há como responder se o benefício está sendo bem aplicado. Porém, se estamos em uma guerra, não podemos chegar com as armas erradas", ressaltou.

Segundo Sakalem, não vale ter qualquer tipo de renúncia fiscal para trazer qualquer tipo de investimento. "A política pública precisa ser ordenada, temos que pensar na infraestrutura necessária para as empresas terem condições de operar", disse. Sakalem adiantou que os recursos provenientes da concessão dos serviços de água e esgoto da Cedae têm "carimbo" e serão destinados integralmente a investimentos em infraestrutura, em projetos aderentes ao desenvolvimento e à retomada da economia fluminense. "Não é só a guerra fiscal que leva empresas embora, por isso é preciso considerar o ambiente de negócios, a segurança jurídica, a relação fisco-contribuinte", afirmou a assessora.

"Muitas vezes o benefício é visto como um gasto para o governo, mas se cortarmos todos e o estado vizinho conceder, então o estado que corta pode ganhar na arrecadação individual, mas perde arrecadação na base, porque vai haver um êxodo natural para outros entes", advertiu Gudiño. Para a presidente do GDT, é preciso desmistificar o termo ‘benefício fiscal’. "Parece que é algo à margem da legislação, principalmente quando é associado ao ICMS; é visto como um elemento de guerra fiscal, mas esse instrumento se bem utilizado é uma forma legítima de o estado estimular a economia, promover o incremento e a circulação de recursos, além de aumentar a oferta de empregos", concluiu Borzino.